Documentário TerrAL (projeto em português)

Projeto-documentário “TerrAL”
Territórios na América Latina


Introdução

Na América Latina, desde a colonização passamos a absorver um projeto de desenvolvimento que vem de fora. Hoje através do “mercado global”, facilitado pelas novas técnicas científico-informacional que possibilitam uma fluidez muito grande de capitais, “quase a totalidade da superfície terrestre se torna funcional às necessidades, usos e apetites das empresas capitalistas” (SANTOS: 2000)

O poder exercido por estas grandes empresas é segregador, excludente e fragmentador, sequestrando a autonomia de decisão dos atores locais. Esta apropriação territorial exercida pelo “mercado” é uma integração vertical, dependente e alienadora. A partir desta integração as decisões essenciais concernentes aos processos locais são estranhas ao lugar e obedecem a motivações distantes e mercadológicas.

A lógica privada está levando a sociedade ao seu próprio sepultamento, na medida em que coloca na esfera do mercado o poder de decisão sobre o modelo de desenvolvimento. Não reconhecer que o meio ambiente é um bem coletivo e que a ele está associado o desenvolvimento de diversas culturas tem levado comunidades tradicionais à degradação de suas condições materiais e simbólicas.

Porém as comunidades e populações locais e marginalizadas que vivem tanto nas grandes cidades quanto nos rincões de territórios de difícil acesso não assimilam ou aceitam de forma apática esta organização que lhes é imposta. Estas populações, vivendo em seus territórios, que hoje são fragmentados pelas forças do capital, criam e re-criam formas de convivência e de regulações a partir do próprio território local, a despeito da vontade de unificação e homogenização características das racionalidades hegemônicas típicas do sistema econômico capitalista.
Neste contexto, nosso projeto pretende descrever e revelar, através de um documento audiovisual, aspectos destas populações e comunidades locais da América Latina que lutam diariamente para constituir seus territórios a partir das suas relações e identificações próprias, no sentido de abrir outra possibilidade que não a marginalização que o capitalismo lhes impõe. Apresentando as cenas do cotidiano das pessoas, contando suas narrativas locais sobre migração e gerações, sua relação com o meio ambiente que os cerca, suas fronteiras territoriais, pensamos ser possível sensibilizar por meio desse documentário todos os sujeitos, comunidades e agentes envolvidos, direta e indiretamente, nos territórios contemporâneos da América Latina.
O alto nível de desenvolvimento tecnológico no setor das telecomunicações e sua ampla capacidade de penetração nos territórios acaba por resultar na inexistência de condições para produção popular da informação que é largamente veiculada. Neste sentido o projeto busca democratizar a produção e a divulgação da informação, tornando os atores locais capazes de produzir seu próprio material, de contar sua própria história e de seus antepassados, de apontar as consequências e alternativas locais do atual modelo de desenvolvimento para além do que é veiculado pelos principais meio de comunicação.
A importância deste tipo de registro está na procura em potencializar os caminhos apontados pelas comunidades locais em contraposição ao atual modelo de desenvolvimento, social e ambientalmente destrutivo, principalmente para as pequenas populações.  Um novo modelo de desenvolvimento para a América Latina necessariamente deve levar em consideração as perspectivas destas comunidades, seus princípios, desafios e anseios.
Nosso trajeto consiste em percorrer territórios delimitados pelas próprias comunidades em questão, a ver: (i) da região pertencente aos nativos Mapuche localizados na Cordilheira dos Andes ao sul do Chile e Argentina às comunidades camponesas do Vale Central nas regiões centro-sul do Chile; (ii) das Regiões desérticas e semi-árido dos Andes (na tríplice Fronteira: Chile, Bolívia e Argentina), até o Lago Titicaca; (iii) do norte da Argentina, passando pela Amazônia boliviana, a região andina peruana, o norte do litoral peruano e a região andina e litorânea do Equador.
Assim, a equipe pretende percorrer estes trajetos utilizando-se dos instrumentos audiovisuais para mediar o contato e o convívio entre nós, viajantes, e os sujeitos e comunidades locais, no sentido de registrar a percepção destes sujeitos e comunidades sobre as transformações, os desafios e as possibilidades de seus territórios.

Objetivos Gerais:

Produção de um documentário investigativo (longa-metragem) de “des-coberta” dos territórios vistos sob olhar das comunidades locais, suas identidades, sua relação com o meio ambiente que os cerca e os conflitos que emergem e intensificam as tensões territoriais existentes na América Latina; buscando por suas características distintivas e seus pontos de interface no empoderamento comunitário para a produção de autonomias territoriais.

Objetivos Específicos:

·         Conhecer os elementos ambientais e culturais que constituem as diferentes territorialidades;
·         Recolher as diferentes narrativas locais que explicitam formas de auto-reconhecimento e identificação coletiva;
·         Descrever os problemas, tensões e conflitos pelos quais atravessam as comunidades locais;
·         Caracterizar os elementos e práticas locais que apontam para horizontes de autonomia destes grupos nos campos políticos, jurídicos, econômicos e sociais;
·         Destacar as diferenças e os pontos em comum que emergem nas diferentes territorialidades em busca de sua autonomia.

Justificativa

O debate sobre a relação entre as diferentes populações e espaços, na America Latina e no mundo, vem cada vez mais apontando a importância das ligações entre os conceitos de "identidades" e "territórios". Para além de uma disputa econômica por terra, as diversas comunidades locais e movimentos sociais vêm colocando demandas em relação aos estados e sociedades (nacionais e internacionais) no sentido da busca de uma auto-determinação e/ou autonomia de seus territórios.
A partir das lutas de tais comunidades e movimentos, estas demandas foram sendo historicamente incorporadas em diversos âmbitos: ao nível internacional, podemos citar a chamada "convenção 169" da OIT (1989), a "Convenção ONU sobre diversidade biológica" (1992) e a "Declaração das nações unidas sobre os direitos dos povos indígenas" (2007); ao nível nacional existe o decreto Nº 5.051 (19 de Abril de 2004) que promulga a "convenção 169 da OIT" e o decreto Nº 6.040 (7 de Fevereiro de 2007), que institui a "Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais". Estes documentos definem parâmetros que estabelecem um compromisso dos países signitários. Possuem um caráter prescritivo, de tal modo que devem orientar políticas públicas que afirmem o conteúdo de suas respectivas resoluções. 
Em todos estes documentos, é possível destacar a indicação de iniciativas de valorização, proteção e divulgação dos "modos de vida" destas comunidades locais (sejam "indígenas" ou "tradicionais"). Tais iniciativas devem partir não somente das comunidades interessadas, mas do poder público e da sociedade civil organizada, no sentido de uma política pública de pesquisa e promoção destas identidades locais, conforme aponta o seguinte relato do Conselho Nacional de Soberania alimentar - CONSEA:
"É preciso que o Estado Brasileiro atenda às demandas dessas categorias identitárias, que, pelo seu contingente e abrangência territorial, devem ser incluídas social e politicamente, como sujeitos de direitos, inclusive e fundamentalmente, os direitos territoriais, assegurando reparação, justiça e equidade social."
É a percepção destas demandas que leva o CONSEA a solicitar, neste mesmo documento, "Que o Governo Federal viabilize a pesquisa nacional sobre povos e comunidades tradicionais no Brasil, assegurando visibilidade e inclusão sócio-política desses segmentos sociais." (Terra: direitos patrimoniais e territoriais. Documento elaborado pelas CP 5 e CP 6 do CONSEA para plenária de 29 de outubro de 2008, Brasilia. p. 3; 7)
Tendo em vista esta necessidade, a realização dos objetivos deste projeto pretende contribuir na visualização da diversidade de identidades territoriais existentes na América Latina através do levantamento dos elementos que conformam tais territorialidades, as tensões e conflitos enfrentadas e as práticas de resistência e construção de autonomias, no sentido de gerar uma reflexão integrada sobre as condições, desafios e horizontes das comunidades locais da America Latina.
Analisando o contexto latino-americano atual, acreditamos que os conflitos territoriais em diferentes lugares não estão associados somente às realidades próprias de cada país, mas sim se relaciona com uma lógica de exploração global e com uma política de repressão aos grupos étnicos e às comunidades tradicionais, predominante em vários países do continente desde o início da colonização das Américas. Nesse sentido consideramos que este trabalho pode levantar elementos que, articulando os níveis sociais, políticos, culturais, históricos e econômicos, evidenciem uma resistência territorial local centrada em uma “outra” relação com a terra, que pode gerar, através da difusão deste documentário, um instrumento audiovisual e político destes mesmos povos e comunidades em questão.

Público Alvo

O objetivo deste projeto é produzir um documentário que possa ser utilizado como um instrumento político, tanto quanto um material com fins educativos. Está voltado para um público que vai desde as comunidades participantes da produção do material, a escolas, sindicatos e movimentos sociais; de festivais e mostras audiovisuais, nacionais e internacionais alternativas, a redes de televisão educativas e comunitárias. Ademais, ao nivel das ciências humanas e sociais, fornece uma base de dados para a construção de cenários sobre os conflitos territoriais presentes na América Latina contemporânea, sendo um importante material de estudo e divulgação acadêmica.

Metodologia

- A viagem como um roteiro

Em seu documentário "Pachamama", (2007), Erick Rocha realiza uma simples, mas interessante reflexão sobre as relações entre uma viagem e um filme, afirmando que "não há limite entre viagem e filme!". Neste sentido, tanto uma viagem quanto tal proposta de filme realizam-se sobre "os múltiplos encontros, acasos e desencontros" produzidos pela ação de deslocamento dos viajantes, de tal modo que o roteiro do filme será editado pelo próprio trajeto.
É a partir desta aproximação entre viagem e filme que formulamos esta proposta de documentário, onde o enredo dos viajantes é construído pelos encontros locais, pelo contato entre o movimento da viagem e o sujeito local. Este personagem local, o "nativo", direciona o olhar e os sentidos da câmera pelo que ele indica, pelo que ele fala, pelo que ele aponta (de forma espontânea ou estimulada), colocando em relevo os elementos territoriais que constituem sua perspectiva local sobre a formação e suas condições atuais.
Através do deslocamento entre diversos territórios, a viagem possibilita a visualização das diferentes configurações territoriais desde a perspectiva de seus agentes locais. Tal perspectiva, tendo em vista o deslocamento, entra em contraste com as perspectivas locais dos outros territórios atravessados pelo roteiro da viagem. O registro audio-visual destas, contrastadas pelo movimentar da viagem/documentário, possibilita uma sensibilidade que reflete sobre "o que filmar, pensar, me deslocar, um filme, uma viagem... tem a ver com a existência? o próprio deslocamento da existencia!" (Erick Rocha).
É sobre estes pressupostos, em consonância com os objetivos deste projeto que definiremos a seguir os "objetos" a serem capturados e registrados no percorrer das viagens, as estratégias que serão utilizadas para as abordagens, assim como os roteiros.

- objetos de captura e registros: eleição e descrição

Os principais objetos a serem registrados in locus são as características das principais formações fitogeográficas, as expressões culturais relativas à formação dos territórios e as narrativas locais sobre reconhecimento, as tensões territoriais e as práticas autonomistas. A seguir realizaremos um levantamento dos índices a serem registrados.


a - Formações fitogeográficas (biomas)
Caracterização dos ambientes físicos pelos quais iremos passar (Desertos, Salares, Florestas, Matas de Altitude...); registro dos aspectos relevantes da fauna, flora e paisagem dos diferentes ambientes, bem como elencar os principais recursos naturais presentes. Procurar por “adaptações” das populações locais ao ambiente-fisico em que vivem, principalmente em relação a moradia, alimentação e agricultura.


b - Elementos culturais que constituem as territorialidades e narrativas locais.
Captura e registro das expressões culturais como festas, expressões e ditados populares; as representações artísticas que revelam a cosmovisão dos grupos envolvidos; os mitos e imaginários relativos à história do local, as narrativas sobre sua história, descendência e gerações; as formas de uso do solo e modo de organização social do trabalho; as formas de identificação coletiva, os nomes étnicos utilizados para nomeação interna e externa.


c - Tensões territoriais
Formas de distribuição, posse, propriedade e escritura de terras; administração e uso dos recursos naturais; agentes e ações externas (não-locais) com implicações territoriais locais; presença do e relação com o Estado.


d - práticas com horizontes autonomistas
Formas de organização social e política (critérios de autoridade política, formas de eleições e rotatividade para cargos e funções, etc); caracterização dos espaços de encontros entre a comunidade (reuniões, assembléias, mutirões, passeatas etc); caracterização das lutas e dos movimentos de resistência (demandas, consensos e conflitos, metodologia de ação, formas de comunicação, etc).

- estratégias de abordagem

Inicialmente, será realizada uma pesquisa exploratória sobre os principais territórios que serão atravessados pelos roteiros para uma primeira caracterização geral dos mesmos.
Ao nível de inserção no cotidiano local, partimos de uma proposta de encontro intercultural mediado por tecnologias audiovisuais no sentido de envolver as comunidades locais na produção dos registros de seu território. Através do estímulo ao registro de seus ambientes físicos e culturais pelo uso de tecnologias-mídia, o “olhar” local fulgura como uma perspectiva própria que ilumina o espaço de modo peculiar, conformando o território específico daquela comunidade. Assim, os diversos sujeitos locais serão instigados a não somente participar do cenário filmado, mas a assumir o papel de registrar seu próprio território - através da manipulação de instrumentos de registro audiovisual, como câmeras fotográficas, filmadoras e gravadores de áudio - aumentando a possibilidade de um processo reflexivo por parte destes próprios sujeitos.
Esta abordagem está dividida em 3 etapas. Na primeira, ao chegar em cada localidade específica, os integrantes da equipe entrarão em contato com os sujeitos locais sem uso de nenhum instrumento de registro audiovisual. Neste período de primeiros encontros e acasos, estaremos atentos para os objetos definidos acima, conversando, ouvindo, perguntando e convivendo com estes sujeitos. Este momento inicial de contato servirá de base para a construção de uma lista de temas e questões que serão colocadas para os sujeitos na terceira etapa.
Esta inserção etnográfica no cotidiano local possibilitará a apreensão de aspectos que ganham relevo na própria dinâmica social. Assim será possível identificar e registrar os principais arranjos envolvidos na construção de um auto-reconhecimento e de uma identificação coletiva, permitindo inquerir os próprios sujeitos no contexto local de produção destes arranjos.
Durante esta primeira etapa será proposta para os sujeitos locais a participação ativa na produção do documentário. Através da disponibilização dos equipamentos e da nossa equipe enquanto auxiliares técnicos, um grupo de sujeitos locais será convidado a produzir relatos sobre seu território, antenados aos objetos definidos acima.
Nesta segunda etapa, as questões fundamentais que serão propostas em cada território específico são: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Cada pergunta tem como tema uma temporalidade – presente, passado e futuro, respectivamente – e em sua articulação possibilita uma visão panorâmica do processo de formação do território visto desde a perspectiva local.
Após uma breve introdução ao uso dos equipamentos, cada grupo local participante será estimulado a responder essas perguntas simples, mas fundamentais, através de “tomadas” (curtas ou longas). A partir destas tomadas será possível perceber qual é o olhar das comunidades para a atual situação do seu território, como ele se forma continuamente, apontando quais os principais elementos deste a perspectiva local que devem ser “revelados” no documentário.
Assim, esta proposta de abordagem visa, ao invés de uma intromissão de uma tecnologia no cotidiano da localidade, um processo de criação de um vínculo, de aproximação e de co-produção audiovisual por parte destes sujeitos durante a segunda etapa.
Buscando o aprofundamento de questões específicas em cada local, a terceira etapa será constituída por entrevistas semi-estruturadas com os personagens que ganharam destaque nos encontros, acasos e desencontros experimentados. Tais entrevistas possibilitarão "mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes" no sentido de "explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão" (Gaskell in Bauer; Gaskell. 2008, pp. 65-68).
Nesta etapa, com uma maior familiarização da própria comunidade local com a presença dos instrumentos audiovisuais e com a presença da própria equipe de viajantes, será possível realizar o registro dos cenários e tomados por meio do olhar da nossa equipe, com maior aprofundamento e contando com um acesso privilegiado aos sujeitos e espaços locais.
Através da conjugação destas diferentes abordagens, e da orientação do olhar sobre os elementos a serem registrados in locus, será possível captar como cada território se organiza política, cultural e economicamente; percebendo seu processo histórico de formação e utilizando-o na reconstituição de cenários audiovisuais de cada território.
No intuito de manter uma forma de comunicação entre os integrantes do projeto e o "público", fora criado um blog do TerrAL (www.doc-terral.blogspot.com). Nesta primeira fase de planejamento, ele tem como função a divulgação do projeto, discussões sobre os principais questões e conceitos mobilizados e a troca de informações e notícias relacionadas às temáticas envolvidas no mesmo. Durante o período de filmagem serão "postados" no blog pequenos relatos sobre cada localidade que nossas equipes em campo estão percorrendo, possibilitando a verificação do andamento de cada rota especifica, assim como a troca de experiências locais entre os integrantes das equipes. Por fim, cabe destacar a importância deste meio virtual como forma de ampliação do público alvo deste projeto e como forma de divulgação das entidades, organizações, grupos e comunidades apoiadoras do TerrAL.

- trajetos de viagens

Todas as rotas podem ser visualizados no "Google Maps" através do mapa "TerrAL - oficial". A seguir realizaremos um breve relato de cada rota específica informando os principais pontos e localidades a serem percorridas.


rota 1: salta ARG – titicaca BOL

Esta rota irá atravessar uma região andina que tem como ponto de início a cidade de Salta, noroeste argentino, até a região onde esta localizado o lago Titicaca, na fronteira entre a Bolívia e o Peru. Durante a chegada dos colonizadores europeus, de acordo com o antropólogo Fernando Montes Ruiz, toda esta região estava habitada por comunidades indígenas, principalmente aymaras, e organizadas social, econômica e culturalmente de modo extremamente complexo através dos ayllus e markas.
Partindo da cidade de Salta, nossa equipe irá cruzar as fronteiras nacionais entre Argentina e Chile em direção à regiao próxima ao deserto do Atacama. Deste segundo ponto mais uma vez iremos cruzar fronteiras nacionais, dessa vez entre Chile e Bolívia, no caminho que segue para a região do Salar de Uyuni. Esta proposta de cruzamento das fronteiras nacionais tem como fundamento a ideia de que para estas comunidades as fronteiras nacionais são em realidade fronteiras impostas pelas verticalidades territoriais das quais nos fala Santos, neste caso, os próprios Estados-nacionais que atuam como entidades externas na regulação destes territorios locais. Ao atravessarmos esta tríplice fronteira será possível vislumbrar as diferenças e proximidades de comunidades separadas pela constituição dos Estados-nacionais envolvidos.
 
A partir de Uyuni seguiremos ao norte até La Paz, atravessando a antiga região comunal aymara, muito explorada desde a colonização devido à grande quantidade de minérios. Esta região, com a chegada e ocupação colonial, foi se constituindo enquanto uma ampla região mineira ocupada pela realocação de comunidades indígenas vinculadas aos serviços da "mita", formando os chamados centros mineiros onde o modo de vida das comunidades indígenas foram conjugadas com a tradição sindicalista.

 A última etapa desta rota iniciará na cidade de El Alto, a cidade mais nova da Bolívia formada pela migração de comunidades indígenas e da realocação das comunidades mineiras no ano de 1985. Esta cidade-periferia de La Paz tem sido o cenário de múltiplos movimentos e passeatas que vêm interpelando o estado boliviano por mudanças estruturais substantivas, como por exemplo as chamadas "guerra del agua" (2000) e "guerra del gas" (2003). Desta cidade iremos em direção às antigas ruínas do Tihuanaco, uma civilização pré-incaica, e logo para as comunidades aymaras localizadas no norte do lago Titicaca, região onde se encontram comunidades importantes desta etnia.
 
Rota 2: Tilcara ARG - León Dormido EQU

O ponto de partida desta rota é no extremo noroeste argentino, na cidade de Tilcara, aonde observaremos as consequencias do avanço do turismo nas regiões andinas, quais as saídas encontradas pelas comunidades para criar um outro tipo de turismo aonde eles fazem parte da riqueza territorial e agem com autonomia.

Em seguida rumaremos para a fronteira com a Bolivia, com destino a Reserva Tariquia e seu entorno, aonde entraremos em contato com os agricultores e apicultores ecológicos que vivem na area da Unidade de Conservação, e no seu entorno. Desviaremos da rota para registrar a beleza que acompanha o Salar de Uyuni e as comunidades tradicionais que aqui habitam.

Após essa primeira etapa partiremos para a cidade histórica de Potosí, cidade cheia de marcas da colonização espanhola. Passaremos também por Sucre, que surgiu com o declínio da mineração de prata em Potosí e hoje é a capital administrativa do país.
Visitaremos as instalações do Parque Nacional Amboro e rumaremos à Cochabamba. Em seguida passaremos pelo Parque nacional Carrasco rumo a Rurrenabaque aonde permaneceremos alguns dias. Aqui o grupo encontra-se na Amazônia boliviana onde estaremos em contato com algumas experiências de agroecologia na região. Dois contatos se destacam e estão registrados no mapa pelos marcadores. Após aproximadamente um mês de viajem estaremos chegando ao Parque Nacional Madidi (Rurrenabaque), na região há uma associação indígena que trabalha com agroecologia com a qual iremos conviver durante aproximadamente um mês.

Na primeira quinzena de Março de 2011 nos encontraremos com os excursionistas da rota 1 em El Alto (La Paz)para troca de informações e experiências. De El Alto na Bolívia vamos para o Lago Titicaca, a 3.800m de altitude. Depois iremos para Arequipa, mais especificamente no Colca Canyon, região onde populações tradicionais praticam agricultura em terraços em meio a um canion andino. Iremos visitar ainda Cuzco e Machu Pichu para registramos as ruínas da civilização Inca. 
No começo de Abril partimos rumo norte acompanhando a cordilheira andina. Se afastando um pouco de locais mais turísticos pretendemos chegar em Abanancay, onde há outro núcleo de agroecologia que nos receberá para que tenhamos contatos com o campesinato local e sua forma milenar de cultivar a terra.

Na segunda quinzena de Abril descemos a cordilheira andina em direção ao oceano pacifico. Uma passada por Lima capital do país e depois seguimos para Huacho, uma pequena cidade do litoral peruano, onde se afastando um pouco da litoral há um região desertica. Ali um núcleo de estudos em permacultura auxilia as comunidades locais a se integrar de forma mais eficiente em um meio tão inóspito. Ajudaremos a atividade do núcleo por todo o mês de Maio. 

Seguimos pelo litoral em uma viagem mais rápida, passando por Huaraz e Trujillo em direção ao Equador. Pretendemos cruzar a fronteira em Suyo (Peru) – Macará (Equador) rumo a Cariamanga. Aqui será o início da aproximação com o Sintral - Sistema de Intercambio y Transacciones Locales e os Cepas - Centros para Atividades Autonomas. Essas duas experiencias estão interconectadas e representam uma saída para as condições impostas pela economia de mercado às populações tradicionais. Expressam a potencialidade da autonomia nas relações sociais, culturais e econômicas.

   No Equador estaremos voltados a estas experiencias que nos levarão para as seguintes comunidades: Cotacachi (CEPA - La Calera), Esmeraldas (CEPA - La Propicia), Manta (CEPA - Santa Marianita), Cariamanga (CEPA - Cariamanga), Balsapamba (CEPA - Angas), Mizag (CEPA - Nizag), Mashcana (CEPA - El Troje), León Dormido (CEPA - Leon Dormido).

rota 3: Amazonia BR – território Mapuche e Sul do Chile

A rota se divide em dois períodos de atuação. O primeiro transcorre entre o mês de janeiro e fevereiro, e as filmagens se darão desde a cidade de Manaus, estado do Amazonas, passando pela cidade de Assis Brasil, local de Tríplice Fronteira (Brasil, Peru, Bolívia) e chegando até amazônia peruana. Esta rota termina na cidade de Santiago do Chile, onde se inicia outro período de filmagem. Este segundo período se inicia em Março e terá dois locais de base: A cidade de Valdívia e a cidade de Valparaíso. Neste período, a equipe estará dividida entre estas duas cidades, as quais serão as bases e pontos de partida para se deslocarem aos principais locais de filmagem situados entre: A região da Araucanía (Temuco) e a região dos Rios (Valdívia). O que se busca nesta região é principalmente entrar em contato com comunidades da etnia Mapuche e outras comunidades tradicionais que reclamam a soberania dos seus territórios e que enfrentam conflitos territoriais com o estado chileno e empresas hidroelétricas. Estes aspectos serão registrados em contextos urbanos e na alta Cordilheira dos Andes.
O primeiro (janeiro- fevereiro,2011) momento do trajeto tem como ponto de inicio a cidade de Manaus (Estado do Amazonas, norte do Brasil), passando pela zona de tríplice fronteira, Brasil - Perú - Bolívia, e até a cidade de Puerto Maldonado (Estado de Madre de Diós, Sudeste do Perú). Esta região, segundo ressalta Sergio Machado Rezende, é parte da maior reserva florestal e hidro- gráfica do mundo, onde vivem diversos grupos nativos:“Seu patrimônio natural, esta constituído da maior biodiversidade em todo o mundo e de um subsolo de riquezas ainda não devidamente mensuradas”(T&C Amazônia, Year VI, Number 14, June 2008 Ciência e tecnologia na Região Amazônica: onde chegamos e o que esperar). Este território possui uma ampla diversidade étnica e cultural, riquezas animal e vegetal, abundância em água e riquezas minerais de ouro, diamante e outras pedras preciosas.
Partindo da cidade de Manaus, tomaremos um barco onde seguiremos o curso do rio Madeira até a cidade de Porto Velho localizada em plena floresta Amazônica. Aqui empreenderemos viagem para a cidade de Rio Branco, desde onde nos dirigiremos até a aldeia Kaxinawá Nova Empresa, situada nas margens do rio Jordão (Estado de Acre).
Posteriormente empreenderemos o rumo sentido a cidade de Assis Brasil, situada na tríplice fronteira da Amazônia Ocidental. Uma área transnacional, do ponto de vista econômico e social, caracterizada por sua diversidade étnica e cultural. Neste lugar é interessante para o grupo ver como as populações locais reafirmam ou negam as demarcações político-administrativas nas áreas fronteiriças dos Estados-nacionais, através de diferentes práticas e representações. É a partir dos processos de interação, tanto entre Estados como entre populações locais, que podemos compreender o significado discursivo da fronteira política e das fronteiras sociais. Interessa-nos analisar como estes grupos que habitam as fronteiras se superpõem, se complementam e se confrontam.

Uma vez atravessada a fronteira, viajaremos a Puerto Maldonado, Perú onde novamente embarcaremos, desta vez pelo rio Madre de Diós para chegar até a cidade de Imambari, localizada na região denominada Madre de Diós, relativamente despovoada e considerada uma das maiores reservas de biodiversidade do mundo. Nosso interesse é conhecer as comunidades que serão atingidas pelo projeto hidrelétrico Paquitzapango que demandará a construção de uma enorme represa que terminaria por inundar pelo menos 40.000 hectares de floresta na bacia hidrográfica do rio Ene, região em que habitam 18 comunidades da etnia Ashaninka.
O segundo momento do registro audiovisual, começa no mês de março de 2011. O trajeto parte da cidade de Valdívia (Región de los Rios - Chile) de onde nos dirigiremos sentido Cordilheira de los Andes, passando pela cidade de Futrono, pela região do lago Maihue, até chegar no povoado de Reñinahue. Neste local buscaremos o convívio com as comunidades mapuches lafquenches e comunidades camponesas que serão atingidas pela futura construção da Central Hidroelectrica Chilcoco, a cargo da Ganadera y Forestal Carrán S.A.. Este empreendimento afetará o bioma da Cuenca del Rio Bueno, gerando impactos sócio-ambientais nas comunidades de Lago Ranco, Provincia de Valdivia.
O trajeto seguirá sentido Vale de Rupumeica, região do rio Chilcoco e território Mapuche. Esta zona tem como vegetação natural a Selva Valdiviana Andina característica, que tem uma pluviometría anual cercana a los 2.000 mm.
Como dito anteriormente, neste segundo momento a viagem terá dois pontos centrais. Neste sentido, viajaremos desde Valdivia para entrar em contato com as comunidades mapuches da região da Araucanía situadas na província de Temuco. Trata-se de comunidades que mantém sérios históricos de confrontações como o estado chileno pela reivindicação das suas terras e o reconhecimento da identidade Mapuche.

Além das localidades citadas, nos propomos a viajar à Isla Mocha, situada na região da Araucanía, território considerado por mapuches como território sagrado ancestral, onde a economia da população, baseada na extração de algas, é explorada por multinacionais. A relevância deste local se dá pela divisão que existe entre os habitantes sobre a inclusão ou não destas empresas no cotidiano de suas vidas.
Posteriormente, nos dirigiremos à região do Maule para conhecer duas comunidades camponesas das cidades de Molina e Cauquenes, caracterizadas pela alta qualidade da sua produção vitivinícola, principal atividade econômica.
Nestes lugares nos interessa contrastar o desenvolvimento da economia destas comunidades. Na primeira zona, Molina, encontraremos comunidades que desde há muito tempo possuem um histórico de relação com as grandes empresas. No segundo caso, em Cauquenes, pretendemos verificar através do audiovisual, como as tradições na forma de viver, cultivar a terra e produzir vinho orgânico, começam a se ver afetadas pela recém-chegada indústria vitivinícola.
Na última parte do trajeto, viajaremos ao Valle del Huasco, onde comunidades de camponeses e exportadores de produtos orgânicos resistem à contaminação do Valle por parte do projeto de extração de ouro da empresa mineira Canadense Barri Gold. Esta empresa extrai o mineral na parte subterrânea do glaciar gerando consequências no abastecimento de água de todo Valle.

Marco teórico: Território, identidade e autonomia.

"Nosotros no podemos concebirnos como mapuche sin tener tierra, sin tener territorio y ese territorio  tiene que ser recuperado en base a lo que es la autonomía. La autonomía y el control territorial van de la mano, van de la mano, es la única forma de reconstruirnos como nación. Nosotros tenemos nuestra  dignidad, tenemos nuestra forma de llevar a cabo nuestras cosas. Nosotros nos podemos gobernar y eso es esencial como pueblo. O sea si un pueblo no se gobierna, no tiene dignidad. El territorio es algo importante para nosotros por eso, porque donde uno nace también tiene que morir y eso es pa’l mapuche una ley. Quiere que nosotros seamos parte de su  folklore, quiere utilizarnos a nosotros, a nuestro pueblo, a nuestra nación, como la base para justificar su presencia en este territorio. O sea ellos quieren decir "nosotros, los mapuches, somos sus indígenas; nosotros tenemos que ser los  indígenas de Chile", nosotros no somos los "indígenas de Chile", nosotros somos Mapuche, somos aparte, somos un pueblo que siempre ha estado aquí, que nació en esta tierra, y va a morir aquí, va  morir peleando, aunque sea peleando, morir."”
 Matias Catrileo, mapuche assasinado pela policía militar chilena em 2008.


Nosso marco de análise pressupõe a elaboração mais rigorosa do conceito de autonomia local,  onde através de um tecido cultural gerador de estratégias endógenas/autodeterminadas de desenvolvimento, que significam o empoderamento das comunidades envolvidas. Algumas questões norteadoras guiarão nosso trabalho:
Quais são as condições vividas pelas comunidades étnicas (ex: os indígenas da América do sul) na autodeterminação dos seus territórios? Quais os limites enfrentados?
O que acontece com o empoderamento territorial e a autonomia das comunidades ante a forma hegemônica com que operam os governos e os setores privados (agrários e empresariais) dos diferentes Estados nação da América o Sul ?
Segundo assinala Diaz Polanco (2001), na América Latina os governos liberais encontram-se  fortemente atrelados à visão tradicional, dura e intransigente, que não admite a pluralidade nem a autodeterminação senão como atributo exclusivo do Estado.
Dado que as comunidades constroem e re-constroem sua territorialidade, nota-se que a identidade está fundamentalmente associada com a apropriação do meio onde vivem e trabalham, sendo assim, o território é resultado da reelaboração do meio biofísico por parte das culturas. Este empoderamento deve ser entendido como a “capacidade de uma pessoa ou um grupo de pessoas de controlar ou de contribuir nos processos de tomada de decisões que afetam seus meios de vida“ (VIEIRA: 2005. p, 410). Quando nos referimos ao empoderamento que as pessoas têm de um lugar, isto significa que este processo está articulado territorialmente com a identidade e autonomia. Estes conceitos funcionam, entre outras coisas, para definir o empoderamento que determinado povoado possui, ou não, em sua vida coletiva. Os aspectos identitários, territoriais e autônomos, são, portanto compreendidos em nosso trabalho como intrínsecos à ordem coletiva de apropriação, significação e produção de conhecimentos de um determinado povo.
Os três conceitos que são desenvolvidos a seguir entrelaçam-se, primeiro, na hipótese – de que maneira as comunidades que conseguem afirmar uma identidade e conseguem se empoderar de um território, se encontram em posição de afirmar, reclamar, proclamar e lutar pela sua autonomia. Num segundo termo, pensamos que tal viagem ao percorrer os diferentes territórios da América do Sul partindo do olhar audiovisual nos colocará em contato com situações de enfrentamentos e tensões entre comunidades, setores privados (agrários e empresariais) e Estado.

- Territórios- territorialidades.

“o território e o chão é mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entender que se esta falando em território usado, utilizado por uma dada população.” (SANTOS 2001).
A renovação da teoria de territorialidade na antropologia tem como ponto de partida uma abordagem que considera a conduta territorial como parte integral de todos os grupos humanos. As territorialidades, como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu “território”.
Segundo Little, Casimir (1992) mostra como a territorialidade é uma força latente em qualquer grupo, cuja manifestação explícita depende de contingências históricas. O fato de que um território surge diretamente das condutas de territorialidade de um grupo social e implica que qualquer território é um produto histórico de processos sociais e políticos. Para analisar o território de qualquer grupo, à exemplo da noção inglesa “homeland”, que diz respeito ao pertencimento à um determinado território para além das delimitações do Estado-nação. Faz-se necessário compreender a noção de pertencimento conferido por cada cultura a seu determinado território. Dito isto, também a noção de enraizamento permite-nos compreender a influência das dinâmicas biofísicas nas dinâmicas socioculturais e socioeconômicas.
Outro aspecto fundamental da territorialidade é que ela tem uma multiplicidade de expressões, o que produz um leque muito amplo de tipos de territórios, cada um com suas particularidades socioculturais. Assim, a análise antropológica da territorialidade também precisa de abordagens etnográficas para entender as formas específicas dessa diversidade de territórios.
No intuito de entender a relação particular que um grupo social mantém com seu respectivo território, utilizamos o conceito de cosmografia, definido como os saberes ambientais, ideologias e identidades − coletivamente criados e historicamente situados − que um grupo social utiliza para estabelecer e manter seu território. A cosmografia de um grupo inclui seu regime de propriedade, os vínculos afetivos que mantém com seu território específico, a história da sua ocupação guardada na memória coletiva, o uso social que dá ao território as formas de defesa dele (LITTLE: 2002).
Hoje, com a autonomização do dinheiro, este é cada vez mais um dado essencial para o uso do território (SANTOS, 2001. ). Esta relação leva nos pensar nas rápidas mudanças nos territórios e como isso gera mudanças no modo de vida, ainda das populações mais tradicionais, acabando por criar diferentes territorialidades em um mesmo espaço. Territorialidade do dinheiro e das relações capitalista, e o território dos que realmente habitam determinada localidade. Como Hoje através do “mercado global”, facilitado pelas novas técnicas científico-informacional que possibilitam uma fluidez muito grande de capitais, “quase a totalidade da superfície terrestre se torna funcional ás necessidades, usos e apetites das empresas capitalistas” assim antigos territórios são cada vez mais invadidos por essas verticalidades (ações exógenas ao local, atendendo a lógica do capital) que acabam por desorganizar as relações sociais geralmente horizontalizadas das comunidades tradicionais e indígenas.
Para analisar estas situações, é importante considerar que elas ocorrem em um contexto de confrontação de interesses sociais e econômicos. Assim, quanto mais modernizados e penetrados  pela lógica dominante, mais os espaços respectivos se tornam alienados na medida em que a população que realmente habita um determinado local não tem mais poder de organizar seu próprio espaço, ou seja, seu território.
O território, enquanto um objeto de compra e venda, encontra-se sujeito a instabilidades, um território do dinheiro, das quais os diversos agentes apenas constituem testemunhas com papeis marginalizados. Mas se considerarmos que eles, pessoas e comunidades, não aceitam de forma passiva esta nova lógica que lhes é imposta, podemos ver surgir no horizonte novas formas de organização local, de horizontalidades, que podem ou não apontar para práticas autonomistas, mas que sem dúvida re-afirmam a identidade daqueles que co-habitam um território.

- Identidade- Etnia.

Para trabalhar o conceito de identidade étnica, nos apoiaremos no conceito de grupo étnico desenvolvido por Friedrik Barth, citado por Roberto Cardoso de Oliveira (1976: 3-4):
“Sublinha Barth que, ‘concentrando-nos no que é socialmente efetivo, podemos ver os grupos étnicos como forma de organização social’, sendo que o aspecto crítico da definição passa a ser aquele que se relaciona diretamente com a identificação étnica, a saber ‘a característica de auto-atribuição e atribuição por outros’. Na medida em que os agentes se valem da identidade étnica, para classificar a si próprios e os outros para propósitos de interação, eles formam grupos étnicos em seu sentido de organização (Barth, 1969: 13-4).”
O conceito de grupos étnicos trabalhado por Barth é compreendido como forma de organização social, a partir da qual se estabelece uma identidade étnica, pois “a identidade social surge como a atualização do processo de identificação e envolve a noção de grupo, particularmente a de grupo social. Porém, a identidade social não se descarta da identidade pessoal, pois essa de algum modo é um reflexo daquela. (Oliveira: 1976, 5)”
Tomando como parâmetros da produção do documentário, os conceitos desenvolvidos anteriormente, ao falarmos em identidade estamos diretamente associando-a a uma esfera de caráter acima de tudo social, produzida em âmbitos coletivos e contrastantes.
Pensando a identidade como produto de um determinado grupo social, que se constitui em um processo em constante transformação, “A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’  formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente” (Hall: 2002, 12).
Nesse sentido, pensamos o conceito de identidade aliado a uma noção de coletivo compartilhado que cria e recria a constituição do sujeito, de acordo com suas interações no meio. Portanto, a utilização do conceito de identidade é indissociável do conceito de território, este compreendido como elemento e base fundamental, onde os indivíduos realizam suas interações sociais, econômicas, políticas e culturais de caráter grupal ou inter-grupal.
As formas de vida política, social, econômica, cultural de um grupo, são fruto de um processo histórico que determina a reconstrução e a reconfiguração da identidade, que não é definida como algo naturalmente estabelecido. No indivíduo, a noção e significação subjetiva em relação a si e a determinado grupo, constituem-se como instrumento para interpretação objetiva do mundo. Esta projeção subjetiva internaliza sentimentos e valores de pertencimento que dão sentido ao mundo social e cultural.

- Autonomia- Autodeterminação.

O conceito de autonomia que utilizaremos está diretamente ligado à noção de uma autonomia coletiva, pois somente sendo coletiva é que pode ela propiciar dispositivos de transformação. Autonomia neste ultimo sentido consiste em explícito autogoverno de uma determinada coletividade, o que depende de garantias político-institucionais, assim como a possibilidade material efetiva, e autonomia individual, a capacidade de indivíduos particulares de realizarem escolhas em liberdade, com responsabilidade e com conhecimento de causa. A autonomia coletiva refere-se, assim, às instituições e às condições materiais (o que inclui o acesso à informação suficiente e confiável) que, em conjunto, devem garantir igualdade de participação em processos decisórios relevantes no que toca aos negócios da coletividade. (SOUZA, 2003:174.)
Dentro do que foi apresentado, cabe destacar que além do empoderamento territorial e identitário, uma comunidade necessita de elementos que constituam autonomia. Este conceito, se compreende dentro do que foi exposto por Souza, quem trata da autonomia como o “consciente e explícito autogoverno de uma determinada coletividade” (SOUZA, 2001, p. 174).
Pensamos que a autonomia nas comunidades se expressa  na sua capacidade de combater as relações de poder heterônomas. Uma sociedade autônoma é caracterizada pelo exercício do poder autônomo, ou seja, que ela busca aumentar a capacidade de agir e de exercer poder de um indivíduo e da coletividade através da possibilidade concreta de participação na instituição das leis. Isso implica em um combate às heteronomias societárias que impõem restrições à livre participação política e a afirmação da singularidade dos grupos e dos indivíduos.
Os documentos internacionais que se referem aos direitos dos povos tradicionais, assinados por diversos países da América Latina e do mundo, como a convenção 169 da OIT, representam esta afirmação. Apesar de possuírem o objetivo de garantir direitos, estes têm por trás das definições de autonomia e auto-determinação, outras metas de ordem heterônoma, reduzindo as instâncias de autonomia a uma lógica de operação interna, e nunca externas aos Estados-Nação. Neste sentido, a autonomia das comunidades tradicionais, assumida por tais mecanismos, se reduz estritamente aos parâmetros oficiais a quais estão inseridas, e não significam uma liberdade de conduta coletiva e individual de base cultural.
A partir desta perspectiva, buscaremos orientar nosso trabalho audiovisual no sentido de identificar como se dão as tensões entre heteronomia e autonomia. Para isso frisamos  nossas já explicitadas definições de autonomia, em contra-posição com as representações de autonomia por parte de matrizes heterônomas estabelecidas por mecanismos internacionais e assumidas por governos e instituições privadas nas suas condutas políticas em relação às comunidades tradicionais.

Integrantes

Bruno Tenucci Skaf
Nascido em São Paulo, cursou 2 anos Na PUC-SP no curso de Serviço Social, onde buscou compreender as questões sociais que o transpassavam e a relação do Estado como "responsável" por organizar a vida social e até pessoal. Se questionando sobre os limites dados no Serviço Social vai para Florianópolis onde começa a cursar Ciências Sociais na UFSC, participa do EIV - Estágio Interdisciplinar de Vivências com os Movimentos Sociais MST-MAB-MPA-MMC, onde esteve com um grupo que fora atingido pela opressão do Estado, sendo retirados de suas casas à força para a construção de uma PCH "Pequena Central Hidrelétrica" em Pinhal da Serra. Posteriormente trabalhou em uma fazenda de plantio agroecológico e hoje seus estudos se concentram na produção agroecológica, e nas relações sociais que este processo envolve.

Douglas Henrique da Silva.
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Licenciado em Ciências Sociais pela mesma universidade. Está vinculado ao Núcleo de Estudos da Juventude Contemporânea (NEJUC-UFSC) e vem realizando pesquisas sobre grupos e movimentos culturais juvenis da cidade de El Alto (La Paz-BO), cultura andina e processos políticos contemporâneos na Bolívia. Já ministrou diversas oficinas (introdução a pesquisa, teatro, animação, circo e malabares) destinadas a grupos “minoritários” ou jovens em situação precária na Bolívia e no Brasil.

Eduardo Firak Cordeiro.
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Está vinculado ao Núcleo Transdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento (NMD-UFSC) e vem realizando pesquisas sobre os sistemas agroalimentares latinoamericanos, com ênfase nos circuitos de comercialização da agricultura familiar agroecológica. É membro fundador e participa da coordenação do grupo Burucutu Consciência Ecológica, que há 6 anos constrói os Encontros Culturais Ecológicos em Cascavel-PR, e atualmente está transformando-se em uma Cooperativa de bens e serviços. Já esteve na organização e coordenação dos EIV's – Estágio Interdisciplinar de Vivência em áreas de comunidades rurais. Já trabalhou em projetos de extensão universitária em economia solidária e agroecologia através do NESOL – Núcleo de Estudos e Práticas em Socioeconomia Solidária/ UFSC. Atualmente também presta assessoria a organizações populares através do circo e educação popular.

Guilherme Candido de Campos Tebet
Nascido em Americana – SP em 1988, deste 2007 vivo em Florianópolis -SC onde vim cursar Ciências Sociais na UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Em 2009 mudei para o  curso de Geografia na mesma universidade que venho cursando deste então. Trabalhei durante 2 anos como bolsista de extensão da UFSC em um projeto de Educação Ambiental no Colégio de Aplicação. Fiz produções audivisuais amadoras em uma comunidade rural de Imbituba – SC (Associação ACORDI). Atualmente participo de um grupo de práticas em agroecologia em Florianópolis.

Maíra Siena Tomazelli
Graduanda da 8 ª fase do curso de Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Desenvolve trabalhos no NUER (Núcleo de Estudos sobre Identidades e Relações Interétnicas) no projeto Nova Cartografia Social de Comunidades Tradicionais, que tem como objetivo instrumentalizar politicamente algumas comunidades tradicionais. Em 2007 desenvolveu trabalhos em uma ONG chamada Estrela Nova participando do processo de mapeamento dos moradores da comunidade que utilizavam os serviços da ONG.

Massiel Amelia Lazo Rojas
Graduanda em Sociologia pela Universidad de Valparaíso no Chile e intercambista internacional na Universidade Federal de Santa Catarina. No Chile, atuou como bolsista de projetos em Agroecologia, Ecologia Humana e Sociologia Rural de desenvolvimento sustentável e territorial com comunidades camponesas do Valle de Curicó e da região Sul da Cordilheira dos Andes. Possui conhecimentos e experiências de vivências com comunidades mapuches do Sul do Chile. 


Raoni Penna Firme de Melo
Cresceu em Alto Paraíso de Goiás, aonde em 2003 fez o curso de “Agente Ambiental com Ênfase em Ecoturismo” e iniciou atividades como guia local, estando em contato direto com comunidades tradicionais, como quilombolas e posseiros, na região da Chapada dos Veadeiros. Em 2005 deu início aos seus estudos acadêmicos, paralelamente às atividades de guia local, cursando dois anos de Engenharia Florestal na Universidade Federal de Brasília, optando posteriormente pelo curso de Geografia, o qual encontra-se cursando na Universidade Federal da Santa Catarina.

Thiago Arruda Ribeiro dos Santos
Graduando da 8ª fase do curso de Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalha atualmente como bolsista da CAPES no projeto: “Observatório de Educação Escolar Indígena” do Ministério da Educação, o qual na UFSC é administrado pelo Laboratório de História Indígena. Realiza pesquisas nas áreas de Educação Escolar Indígena, Interculturalidade e Etnologia. Possui experiências de trabalho com o grupo Espiral de Educação Popular e Arte-educação, trabalhando na perspectiva da arte em um contexto político. Neste sentido, atuou em algumas comunidades periféricas da Grande Florianópolis.

Yan Caramel Zehuri
Graduando pelo curso de Ciencias Sociais da UNICAMP. Participou como tutor do curso “prevenção de violência contra jovens e adolescentes”, SEAD-UFSC, destinado a formação de educadores. Atualmente desenvolve uma pesquisa científica sobre movimentos indígenas na Bolívia. Realizou algumas produções audiovisuais independentes sobre manifestações de trabalhadores e estudantes no Brasil. Atualmente, tem participado de um coletivo de educação popular, chamado Universidade Popular, que se orienta pelas concepções de Paulo Freire. Neste coletivo são realizadas atividades de educação de jovens e adolescentes - EJA, formação política, educação infantil - Ciranda, cinema da terra e outras junto aos assentamentos e acampamentos do MST da região de Campinas.

Referências

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