Rota 2 Tilcara/Arg - Cuenca/Equ



A corrida do ouro nos rincões andino-amazônicos no século XXI
            um breve relato histórico da ocupação, dos conflitos e das práticas autonomistas            

A Bolívia está entre os países com maior megabiodiversidade. Esta situação lhe é conferida pois compreende 14,3% das aves mundiais, 8,98% de répteis e 7,5% de mamíferos. Um maior nível de biodiversidade concentra-se nos bosques úmidos e pluviais de montanha, os yungas. São 190 ecossistemas em todo o território com aproximadamente 40 ecorregiões, calcula-se que atualmente a superfície de bosques seja de 50 milhões de hectares, ou seja 47% do território nacional. Percebe-se dessa forma que, em termos de conservação total do patrimônio nacional, as áreas protegidas abarcam aproximadamente 30% do total da agrobiodiversidade boliviana. Estima-se que o número de espécies endêmicas seja mais de 2.000 e 80% disto encontra-se no interior das áreas protegidas.

Atualmente existe legalmente uma superfície de 16.803.977 hectares de Áreas Protegidas, que representam 18% do território nacional boliviano, suleado enquanto Patrimônio Natural e Cultural da nação. Desse modo, as políticas nacionais tem esforçado-se para conservar a biodiversidade, compreendida como a riqueza natural que abarca um conjunto de inter-relações entre a)gens ou germoplasma, b)espécies e hierarquias derivadas, c)ecossistema-habitats, e d) processos ecológicos. A chamada biodiversidade cultural (agrobiodiversidade) está ligada com os recursos biológicos associados as espécies, subespécies, raças ou variedades, de plantas ou animais domesticados, semidomesticados (em vias de comunicação), e que são regularmente cultivadas ou criadas.

No caso do Parque Madidi, com aproximadamente 2 milhões de hectares e mais de 8 patamares ecológicos, registra-se uma provável existência de mais de 1.000 espécies de aves, mais de 6.000 espécies de plantas e 200 espécies de mamíferos.

Histórico de ocupação
A região de Apolobamba, que compreendia um vasto território ao norte de que hoje é o estado de La Paz, situado a meio caminho entre o altiplano e a amazônia, era habitada pelos povos conhecido como Chunchos, diferenciando-os dos demais povos que habitavam a parte oriental do que hoje é território boliviano. Diversas etnias habitavam essa região, são elas: Lecos, Aguachiles, Uchupiamonas, Pamainos, Pasaramonas, Tarañonas, Pasionas, Zapalos, Chumanos, Camanavis, Suguitunas, Tacanas, Toromonas, Tipoanis, Maytapas, Mayamas, Mayas, Yumaronas, Muinas, Marquiris, Yuguimonas, Baichabas, Zuanas, Chiriguas e outras mais (Chavez, 1944:15).

A conquista do território dos chunchos já havia sido iniciado pelos Incas e, através do Imperador Yupanqui, vários povos foram conquistados na tentativa de uma rota segura para a expansão Incaica ao oriente, que representava a região Amazônica (Antisuyo). No entanto apesar de tentarem dominá-los, estes povos resistiram arduamente por serem etnias guerreiras. Com o tempo inciaram relações de reciprocidade através das trocas de produtos entre os vales e o altiplano, sem estabelecer todavia uma dominação. Este intercâmbio pode ser comprovado visto que o Inca adornava-se com peles e penas vindas das terras baixas, e podia-se encontrar caciques amazônicos adornados com ouro e prata.

As expedições espanholas ocorreram na região durante o século XVI a XVIII. A princípio a coroa chegou com a ajuda dos missioneiros Augustinos, que em 1617 fundaram a Vila San Juan de Sahagún de Moxos, a primeira na região. Anos depois Legui Urquiza continuava a fazer expedições a fim de estabelecer novas rotas e fundou comunidades como Pata e Santa Cruz do Valle Ameno. Porém muito sofreram com a hostilidade dos índios Lecos e Aguachiles. Estes indígenas, com níveis de desenvolvimento técnico e organizacional muito mas simples que os Incas, resistiam bravamente à imposição da cultura ocidental pelos missionários. Assim que no processo de evangelizar os 'selvagens', os espanhóis, através dos missioneiros, levaram ao desaparecimento muitos grupos étnicos e a quase extinção de tantos outros. Foram os Franciscanos que mais tarde continuaram a obra iniciada pelos Augustinos. Assim que  sob a direção do padre Fr. Pedro Saenz (1696) fizeram expedições  na qual encontraram apenas ruínas das antigas comunidades. Reconstruíram com ajuda de indígenas Lecos, Aguachiles, Ipamainos e outros capturados nas margens do rio Tuichi e Beni, ao fundar tal missão renomearam o povoado – A Imaculada Conceição de Apolobamba (atual Apolo).
           
O período Republicano
Com fim das expedições tanto dos religiosos quanto dos ambiciosos em busca de ouro, as antigas Missões de Apolobamba converteram-se em terras da coroa em 1804 sob o nome de Caupolicán, que mais tarde no período republicano passou a chamar-se de Província de Caupolicán, inserido no Departamento de La Paz. Esta província criada em 23/01/1826 fazia fronteira com Brasil no extremo norte e com Peru a extremo oeste.

Nosso acampamento na comunidade de Pata
No inicio o governo republicano fomentava a extração da cascarilla dirigida ao mercado mundial, cuja extração era feita por uma determinada elite local, tornando os povoados de Pata, Atém, Sta Cruz del Valle Ameno e Apolo em mercadores exportadores. Mas também tal governo incentivava a produção de cacau e coca para o mercado interno. Tal produção era desenvolvida por grupos indígenas sob a supervisão dos franciscanos, que recebiam essas mercadorias como pagamento dos tributos e impostos. O mercado da cascarilla estava inteiramente ligado a dinâmica de mercado internacional (1840 à 1860). “La extracción de cascarilla marcó el inicio de um proceso de migración de famílias crioullas o estranjeras que asentándose em los pueblos, criarian a elite gobernante com un grand poder econômico y político.” 
           
É interessante observar que conforme os dados demográficos do Arquivo Nacional da Bolívia havia pouquíssimos originários nas comunidades de Apolo, Santa Cruz del Valle Ameno e Pata desde o início da república, região que passou a ser ocupada por grupos quechuas, descendentes diretos dos Incas, que baixavam do altiplano.  A base da produção de Apolo no inicio do século XIX consistia em coca, milho, arroz e demais produtos para autoconsumo e a quina (cascarilla) para exportação. Em Sta Cruz del Valle Ameno o tabaco também era produzido assim como Pata e Mojos. A crise da extração da cascarilla gerou um grande impacto na economia boliviana, principalmente nas regiões que dependiam da extração deste produto, tais comunidades voltaram-se para o mercado interno produzindo coca, tabaco e café e também atividades agrícolas relacionadas ao autoconsumo.
           
Este buraco na mata é a porta para um antigo caminho
Economia de exportação
Outro momento importante na dinâmica regional foi o desenvolvimento da extração de borracha. Muitos foram trabalhar nesta atividade nas regiões do Rio Beni e Madre de Dios, e esse novo ciclo expansionista da região causou a migração de muitos de Santa Cruz, Pata e Moxos. Esta nova realidade colocou Apolo na rota do escoamento da borracha, tornando-o um importante povoado para a região. Porém, a concentração da produção e comercialização de um só produto significou também a concentração do poder econômico em uma determinada classe. Para a manutenção dos trabalhadores a carne de gado teve grande importância , e foi o transporte deste gado que possibilitou a manutenção de alguns caminhos da região. 
           
Como todo grande ciclo relacionado com a exportação de um único produto primário, o auge e o crescimento logo vem seguido pela crise, e com a borracha não foi diferente. Em 1913 a conjuntura internacional leva a uma forte crise que teve fortes impactos locais, princialmente nas comunidade envolvidas, pois praticamente toda a população masculina havia deixado a agricultura e pecuária em favor da atividade extrativista. Aqueles que não abandonaram a província com a crise retomaram a agricultura e a pecuária, principalmente a exportação de coca ao Peru e a venda de equinos em Beni.

Enquanto os pais trabalham eles observam,
Enquanto os pais descansam eles "brincam" de tirar ouro
Nota-se que estes dois momentos de grande movimentação econômica não foram capazes de impulsionar a economia regional e tampouco deixou infraestruturas de herança, pois ainda hoje os caminhos são totalmente instáveis, principalmente nas épocas das chuvas. Esta marginalidade, fruto do distanciamento, deveria reforçar a relativa auto-suficiência destas populações nos bens necessários para a manutenção da vida. Porém, tal realidade foi transformada pela inserção da economia de exportação no desenvolvimento regional, marcada principalmente pela exportação de cascarrila, borracha, coca e mais recentemente o ouro. 

Desertificação intensa 
Desse modo, o frágil ecossistema de Apolo vem sofrendo com a intensa ação antrópica, principalmente pela retirada da madeira e a queima da vegetação para a pecuária. Tal ação tem acarretado um alto processo de erosão e desertificação do solo, comprometendo seriamente a bacia hidrográfica que abastece a região. A reversão deste alto nível de degradação do solo levará muito tempo para possibilitar o desenvolvimento de uma floresta úmida e tropical ou de férteis campos de cultivos. A região também possui diversos recursos minerais (ouro, prata, zinco, estanho, bismuto, mercúrio, etc) que vêm sendo extraídos pela população local, e atraindo o interesse de empresas nacionais e transnacionais. Também foi identificado a existência de petróleo em diversas zonas.  
           
Mineração, uma experiência em campo
Muito interessante notar que, toda região que serviu de via de acesso tanto à colonização espanhola como para a expansão do povo Quechua (descendentes dos Incas), hoje sofre justamente pela dificuldade de acesso de muitas das suas comunidades. Nós sentimos isso na pele. A viagem de La Paz à Apolo, que é uma das maiores cidades da região, foi sofrida. Trinta e três horas dentro de um ônibus, passando em rios com cachoeiras, tendo que descer de ônibus pela janela e com água nas canelas por perigo de tombamento. Depois disso, ficamos presos pois a estrada que passava ao lado do rio Charazani estava rompida devido a erosão causada nessa época de chuvas. Passamos horas trabalhando jogando pedras para tentar criar uma passagem, até que fomos ajudados por um trator. Como se já não bastasse, ainda tivemos que puxar o ônibus com uma corda umas três vezes para que ele passasse os trechos de lama. Finalmente chegamos, aos trancos e barrancos, a Apolo.

Vindo do altiplano baixamos em altitude, é já nós encontrávamos a uns 1 500 metros. Ao longo do caminho pudemos observar que a vegetação era muito mais densa. A região é uma transição do Altiplano à Amazônia, e seus principais rios à exemplo do Tuichi se direcionam para a amazônia. Porém, ao redor da cidade de Apolo e da comunidade de Santa Cruz do Valle Ameno, onde residimos por um mês, o desmatamento é notável.

Outro fato notável, que nos intrigou muito, foi a falta de grandes quantidades de terrenos  cultivados. Apesar de ser uma 'comunidade rural' a prática agrícola não era observada tão facilmente. Tampouco nas inúmeras tendas que encontrávamos na praça da cidade era possível comprar uma boa variedade de hortaliças, vegetais e frutas. Pelo contrário, apenas encontrávamos arroz, macarrão, batatas, farinha, açúcar e enlatados, tudo vindo de La Paz. Com dificuldade encontrávamos bananas e alguma outra fruta que vinha diretamente da comunidade.

Caminhando dois dias em direção a outras comunidades mais isoladas (Pata e Santa Rosa), a situação não era muito diferente. No caminho observamos mais de perto a vegetação nativa, floresta densa e relativamente alta. A essas comunidades só se tem acesso caminhando, assim que devido a dificuldade de acesso plantam um pouco mais para ajudar na subsistência de suas famílias. Mesmo assim, apesar destas comunidades possuírem uma terra fértil a prática agrícola resumia-se a subsistência básica. Os nativos afirmavam 'plantar de tudo', que verificava-se na prática o cultivo de arroz, banana, feijão e algumas arvores de frutas como laranja e tangerina, dedicando-se outra boa parte do tempo a extração do ouro nas margens dos rios e nas encostas aonde algum dia passou o leito do rio. 

Esses buracos na montanha sao as minas,
e abaixo a esquerda a casa dos mineiros
Todas as comunidades dessa pequena região que visitamos (Santa Cruz do Vale Ameno, Pata, Apolo e Santa Rosa) estão de uma forma ou de outra relacionadas com a mineração. E  reproduzem a lógica ocidental engendrada pela colonização. Primeiro com a exportação da quina, borracha, coca e atualmente a mineração. Seguem a mesma mentalidade de produzir ou explorar algo que possa ser vendido no mercado interno ou externo e que lhes permita o acesso a mercadorias industrializadas. Assim, nesta região, a vocação agrícola voltada a segurança alimentar é um projeto fracassado. 

As perspectivas colocadas a juventude dessa região é migração em busca de emprego e estudo, àqueles que permanecem em suas comunidades estudam até aonde a escola local oferece estudos. Em muitos casos os jovens deixam os estudos cedo para dedicarem-se à extração de ouro nas proximidades do rio Tuichi, atividade de grande importância econômica nestas comunidades. Os poucos campos de cultivos são dedicados em sua maioria para a produção de coca, outro forte produto no mercado interno. O estilo de desenvolvimento regional, pautado no crescimento econômico, mostra aqui, nitidamente seu lado negativo.

Como nos conta o professor de uma das comunidades: “Pata, Santa Cruz del Vale Ameno, Virgem do Rosário e Santa Rosa eram povoados produtivos, porém já não querem trabalhar na agricultura e se dedicam hoje, quase que exclusivamente a trabalhar nas minas. Esqueceram como plantar cana e dependem do açúcar branco, cheio de produtos químicos que vem de fora, já não criam seus animais e preferem a carne enlatada, já não produzem seus alimentos e limitam-se a comer batata, arroz e macarrão que encontram com escassez nas pequenas tendas, em sua maioria abastecidas com dificuldades devido a falta de infraestrutura para transporte. 

Parque Nacional Madidi, SERNAP, e a comunidade
Mesmo a criação de um Parque Nacional chamado MADIDI, que orgulhosamente o governo boliviano anuncia ser um parque com maior biodiversidade por hectare, compreendendo ecossistemas altiplânicos e amazônicos, não foi capaz de engendrar um outro estilo de desenvolvimento. Todos habitantes locais que pudemos conhecer reconhecem que a atuação do governo através da SERNAP (órgão público encarregado da manutenção do Parque) é praticamente nula..  Muitas comunidades há mais de anos não recebem a visita de um guarda-parque.

Assim que a retirada de madeira, exploração mineira e expansão das áreas de pastagem por cima da vegetação nativa são atividades que não sofreram nenhuma modificação desde que a região foi declarada como Parque Nacional. Há um conflito entre o interesse nacional de preservação ambiental, e o interesse local de desenvolver atividades rentáveis. Infelizmente, desde sua criação, o SERNAP não conseguiu oferecer às comunidades uma possibilidade concreta de fazer lucrativa alguma atividade ecologicamente sustentável, assim que a população continua com as práticas mais rentáveis economicamente (ouro e coca), que geram grande impacto no ecossistema e na cultura local.
           
Possibilidades e horizontes de autonomia 
Porém, dentro deste contexto de desenvolvimento regional, pudemos encontrar em Santa Cruz do Vale Ameno uma exceção. Nós, a rota dois, tivemos a oportunidade de estar durante um mês num sítio agroecológico ao norte do departamento de La Paz, chamado SachaWassi, em quechua, a “Casa das Árvores”, conhecendo um pouco da agricultura andino-amazônica e os projetos desenvolvidos por Bruno, o guardião destas terras. 

Nosso anfitrião, um senhor de sessenta anos, aos quinze abandonou os estudos escolares e saiu de sua terra natal – Bélgica, após ter visto em um sonho que os conhecimentos ancestrais estavam em perigo de desaparecimento e era necessário fazer algo imediatamente. Recorreu primeiro o sul da Europa para ver como os agricultores tradicionais tratavam a terra e qual sua relação com ela, depois foi ao norte da África e logo Bolívia, onde vive desde 1975.

Aqui viveu com quechuas, yuacarés e qallawallas, com quem aprendeu agricultura, pecuária, artesanato, construção de casas, enfim, todas as tecnologias associadas a existência dos ayllus, as unidades comunais. Também com eles aprendeu a cosmovisão andino-amazônica, o relacionamento com o universo e as crenças mágico-religiosas. Depois da fase de aprendizado veio a de ensino. Bruno recebe jovens de todo o mundo para com eles compartilhar conhecimentos. No momento, a maioria dos jovens são estrangeiros, mas muito em breve irá receber estudantes do ensino secundário para vivenciarem o conhecimento agrícola ancestral, os quais a maioria dos pais já desconhece.

Agrofloresta andina-amazonica
As atividades realizadas estão baseadas na segurança alimentar, banco de sementes, técnicas alternativas de adubação, permacultura andino-amazônica, conservação e multiplicação das variedades nativas, entre outras. 

Bruno foi secretário do Sindicato Agrário da Província Franz Tamayo por dois anos, quando iniciaram a construção de um centro experimental agrícola, para que todos da comunidade pudessem ver e aprender técnicas ancestrais que parecem novas hoje em dia, tamanho é o resgate que há de ser feito. Tal centro experimental está abandonado pois foi descoberto ouro no rio Tuichi, e todos largaram a agricultura para dedicar-se ao garimpo, atividade mais rentável economicamente mas representa perda de segurança alimentar.

Agrofloresta andina-amazonica
O sacerdote de Sachawasi também desempenha um importante papel comunicacional. Recentemente foi convidado para dar conferencias no Canal 4 de Televisão Popular, um dos canais com mais audiência no Altiplano boliviano, sobre muitos temas relacionados à ecologia, segurança alimentar, cosmovisão andino-amazônica e etc.

O sítio está localizado ao Norte do departamento de La Paz, próxima a cidade de Apolo, na comunidade de Santa Cruz del Valle Ameno, na entrada da Reserva Natural de Manejo Integrado Madidi.   

Conflito Territorial
Nesta região, conforme vimos no inicio, existiam diversas etnias que habitavam a região de Apolobamba, muitas delas foram foram exterminadas ou incorporadas na cultura dominante, mas tal processo de aculturação foi longo devido a extrema resistência que tanto as expedições incas e, mais tarde espanhola encontraram ao explorarem esse território andino-amazônico.

Ao sul do que é hoje Apolo, está ocupado historicamente pela etnia Lekos. Tal ocupação remonta aproximadamente mil anos, hoje mantém algumas danças, comidas e tradições originárias e encontra-se num processo de maior resgate cultural, levado a cabo pela CIPLA (Central Indígena de Pueblos Lekos de Apolo). Através da pesquisa histórica baseada em fontes documentais e orais o povo Lekos vem afirmando sua identidade e denunciando os séculos de exclusão e marginalização que sofreram. Atualmente estão reconstruído a língua autóctone para ser ensinado nas escolas das comunidades.

A CIPLA nasceu em 1945, enquanto um conselho indígena do povo Leko, mas anos mais tarde com a Reforma Agrária de 1952 tal conselho desapareceu, devido que tal acontecimento também significava a tentativa de fazer desaparecer o movimento indígena em nível nacional através da expansão do sindicalismo campesino, substituindo a noção de indígena pela de camponês. Em 1997, a CIPLA foi novamente instituída com o objetivo de garantir os direitos indígenas existentes e resgatar as diversas tradições culturais perdidas devido os séculos de contato.

Dada a nova constituição e os novos direitos que ela institui, diversas comunidade indígenas organizaram-se para demandar a execução dos seus novos direitos constitucionais, principalmente naquilo que tange a demanda agrária e autonomia. No campo político possuem grande inferência, tendo representante no congresso e na assembleia. Atualmente o maior conflito agrário existente na região de Apolo, deve-se a esta conjuntura.

A povo Leko reivindica uma extensão de terra de ????? km² denominado TCO (Tierras Comunitárias de Origem), apenas foi reconhecido uma parte que está localizado dentro do Madidi (238 mil hect.), mas tal ação foi contraposta pela Federação de Campesinos que tentou anular através da justiça. Tal federação nega a identidade dos Lekos, e assim também não se reconhecem enquanto pertencentes a esta etnia. Por carregarem o idioma o quechua consideram-se originários mas não pertencentes ao Lekos. E assim, é no tema terra, que o conflito torna-se irreconciliável.

Além desta extensão de terra reivindicada, também buscam a autonomia, garantida constitucionalmente, para gerir o território. Estão afiliados à federações em nível regional, nacional e internacional de povos indígenas.

Apontamentos finais
Pode se dizer que a introdução do sistema econômico pelos espanhóis deu-se através da exploração indígena, levada à servidão tendo como único “direito” lavrar pequenas parcelas de terra para a sobrevivência. Atualmente a estrutura agrícola boliviana é resultado de três fatores: as tradições herdadas dos Incas, as consequências da Reforma Agrária de 1953 e a chegada da agricultura de mercado.

O histórico de ocupação já demonstra um território marcado pela espoliação e submetimento, e os conflitos existentes são frutos das ações exógenas no passado. A busca pela afirmação da identidade cultural, num processo histórico de reconhecimento do indígena na constituição da nação boliviana, tem encontrado sucesso em diversos casos no entanto esbarra principalmente no tema terra e autonomia.

O discurso oficial do governo do MAS, em seus periódicos, assumem um discurso teoricamente comprometido com o desenvolvimento holístico das comunidades, mas encontra-se na prática inúmeras dificuldades de integração dos orgãos do governo com as associações comunitárias. A gestão comunitária e a preocupação ambiental muito bem definida oficialmente pelo governo está distante da realidade das comunidades envolvidas por reservas nacionais.

Texto baseado em fonte primária através de relatos e entrevistas concedidas à equipe aliado a pesquisa documental-bibliográfica sobre o território.

CONTOS ETNOARQUEOLÓGICOS


A história dos povos originários da região ao sul de Bolivia, surgiu em nossas mentes e por um instante fez-se intensamente parte de nosso imaginário social devido o encontro com uma pequena sala em Uyuni, o Museu de Antropologia e Arquelogia dos Andes Meridionais, onde cheiramos os restos da ocupação dos povos que viveram desde o pré-cerâmico (± 6.000 a.c. até ± 2.500 a.c.) à chegada dos Incas nessa região dos Andes (1450 d.c.), e logo em seguida a “conquista” espanhola.

Este museu é o resultado de 15 anos de investigação e estudo dos sítios arqueológicos existentes na região, tal pesquisa vem sendo realizada por antropólogos, historiadores e arqueólogos com financiamento estrangeiro. Foi no encontro com distintas cerâmicas que os pesquisadores identificaram as diferenças culturais da região, e situá-las historicamente através da datação radiocarbônica.

Entre cerâmicas, múmias e utensílios de cozinha nos deparamos com culturas coletoras e caçadoras com registros datados de ± 6.000 a.c., caracterizam-se por serem nômades e fazem parte do período pré-cerâmico, mais tarde surgiram as culturas agro-pastoris. O período de transição (± 1.200 a.c. à 300 d.c.) caracterizou-se pela instalação de aldeias e o surgimento do desenvolvimento de formas políticas e sociais, e também de rituais. Estas populações encontravam-se próximos aos rios e viviam da pesca, caça, agricultura e silvicultura, e eram grandes criadores de camelídeos. Iniciaram a confecção de pequenas cerâmicas e colheres de madeira, e descobriram técnicas para utilização dos metais. Também registra-se a utilização do uso de algum tipo de enteógeno pela presença de cachimbos nos sítios estudados.

Foi o lombo das lhamas que permitiu estas populações estabelecer contatos com outras populações (Las Cuevas, norte argentino; Tulor, norte chileno; Wankarani, no Altiplano de Oruro; Chiripa e os Pucaras nas margens do Lago Titicaca; e outros assentamentos do Vale de Cochabamba). A lhama, portanto, permitiu a existência de uma largo sistema de intercambio entre distintos ecossistemas e culturas.

Nos contam essas tácitas paredes de museu, que depois deste momento (600 à 1.000 d.c.), veio a aparição, desenvolvimento e a expansão da civilização Tiwanaku, expandindo-se por um vasto território que, no apogeu, estava formado desde Ayacucho ao norte (Peru) até Copiapo ao sul (Chile). Praticavam a agricultura nos terraços e estavam ligados ao eixo de caravaneiros de lhamas. As ruínas das construções sugerem a existência do monopólio na rota existente entre o noroeste argentino e costa chilena.

E para brevemente sentirmos como a ocupação deste território aconteceu, as paredes suspiraram os aproximadamente 20.000 anos de história local:
Quadro cronológico da ocupação dos Andes bolivianos


Essas paredes são amigas de outras paredes, estão interconectadas! Contam que existem muitos sítios arqueológicos na Bolívia de grande magnitude, com restos de importantes culturas regionais, que no entanto, não estão sendo valorizadas e estudadas. Representam séculos de desenvolvimento endógeno e de expansão territorial e, ao mesmo tempo significam as duas ultimas épocas da cultura Tiwanaku.

Os registros demonstram que essas culturas praticavam a deformação craniana com o objetivo de distinguirem-se esteticamente e socialmente, e realizavam tal prática através do uso de utensílios, entretanto muitos tinham problemas como cegueira, surdez e outras moléstias por tais práticas.

Essas culturas vem desenvolvendo há milhares de anos a arte de tecer com lãs de lhama, vicunha e alpaca. Os restos encontrados apontam para distintas técnicas. E cada técnica sugere uma maneira particular de fabricação do tecido, desde a utilização da roca, a wichuña que era feita de osso de camelídeos, aos teares utilizados. Do mesmo modo, estes povos souberam extrair a tintura dos minerais existentes lhes permitindo uma gama de cores, que transformaram-se em lindas peças de mantos, cachecóis, bolsas, etc. As roupas também distinguia-os socialmente, como o caso de sacerdotes e militares.

As técnicas que estes povos desenvolveram variam conforme o período cronológico, mas existem há aproximadamente desde ± 2.500 a.c. mantendo importância até no período Inca (1450). As técnicas de bordado foram utilizadas para adornar peças, camisetas e mantos. Pelo alto desenvolvimento destas técnicas acredita-se que elas exerceram grande influência no interior destas sociedades, no entanto devido o pouco levantamento etnográfico ainda não é possível ter segurança nas afirmações sobre o nível de influencia do mundo dos teares e bordados nas classificações dentro de cada sociedade que obteve alto desenvolvimento deste ramo.

Durante o Império Inca esta atividade estava bastante organizada, haviam artesãos especializados voltados para a confecção do cumbi – finíssimos tecidos destinados ao Inca, suas linhagens e as divindades. Já o awaska era o tecido de uso comum. Conta-nos estas humildes paredes, nessa viagem pela história deste pedaço de(a) (T)terra, que durante o domínio Inca, cada unidade familiar deveria tecer sua própria vestimenta diária e ritual, ao mesmo tempo produziam para o Estado e para o Sol.

Os diversos tipos de desenho e cores das vestimentas destes povos andinos permite distingui-los etnicamente. Além do uso da camiseta, peça retangular costurada nas laterais extremas com uma abertura para a cabeça e para os braços, fazia parte da indumentária comum 4 tipos de bolsas – ch'uspa, bolsa-faja, talega e bolsa de malla. A ch'uspa, de uso cerimonial, também seria para guardar as folhas de coca. A bolsa-faja era utilizada em contextos funerários, sempre contendo folhas de coca. Já a talega era um tipo utilitário e a bolsa de malla era diversos os uso e tipos. Também carregavam um pano retangular com listas e decorados chamado de unkuña (Ulloa, 1985 apud).

As sandálias parecem ter sido utilizadas regularmente a partir do período Tiwanaku, e eram acompanhadas por tornozeleiras e joelheiras adornadas. Também produziram adornos metálicos, como braceletes, anéis, colares, máscaras e tupus. Os diferentes tipos de adornos de cabeça também distingue os distintos grupos culturais e assinalavam status dentro do grupo.

Seus instrumentos de caça e guerra eram compostos pelos arcos de madeira com cordas feitas de tendões de animais, as flechas com tipos de pontas e material que variavam conforme uso. Haviam também as hondas ou huaracas, feitas de tranças tecidas de lã com destino de arremessar pedras contra o inimigo. Hoje os Chipayas ainda utilizam as boleadoras, que eram similar a esta ultima, porém com o propósito de caçar flamingos e outros animais. Nas guerras utilizavam as porras de pedras e hachas de cobre, os guerreiros defendiam-se com escudos feitos de couro e na cabeça usavam cascos feitos de algorrobo, e ainda utilizam seus instrumentos agrícolas (taquisas, asadas, etc).

Através do material recolhido próximo a porta de um tipo de edificação, além das cerâmicas foi encontrado folhas de azadón e t'acclas, relacionado com atividades domésticas ligadas sobretudo a agricultura, remontando o período de 1.000 d.c. à 1.200 d.c.. Pela grossura e altura dos muros e sua orientação tudo indica que eram grandes construções domésticas, marcando o estilo de habitação casa silo. Este período também é marcado pelo declínio da civilização Tiwanaku, que até hoje as razões são desconhecidas, acredita-se que houve secas intensas acabando com os estoques do Império, debilitando seu poder e sua economia. Conta-se que houve brigas interétnicas em várias regiões que formavam o antigo território Tiwanaku, mais tarde foram invadidos pelos aymarás que mesclaram-se e formaram povos multiétnicos e plurilinguísticos como os Pakajes, Lupacas, Carangas, Charcas, Caracara e Chichas.

O Altiplano Boliviano está cortado pelo rio Desaguadero, que constitui um ponto divisor entre duas metades ecológicas e simbólicas (suyos). De um lado, a parte de cima conhecida como Urcu, representado pelas montanhas, e também o masculino. O outro lado, ligado as partes baixas conhecidas como Uma, associada ao feminino e a agua.

Grande parte de Potosi nesta época (1.200 d.c. à 1.400 d.c.) foi ocupado pelos Macha, Wisijsa, Chaqui, Muru-muru, Colo e Caquina que estavam organizados na federação Karakara. Na zona intersalar encontravam organizados na Killakas-Asaques, muitos deles eram dos grupos Uruquillas. E ainda haviam os Chichas ao sul, em Lipez. Seguiram o mesmo padrão de construção utilizados pelos Tiwanaku, nos períodos anteriores, no entanto agora eram em número muito maior e mais complexos, formados pelo setor residencial (retangular), paredes defensivas formando as terraços de cultivo, numerosos silos e zonas de inundação com cisternas, e monumentos funerários conhecidos como “chullpas” abaixo de abrigos rochosos.

É... como poucos metros quadrados podem contar tantos anos de história!? Assim, essas humildes paredes, nos revelam a cada centímetro um pedaço do quebra-cabeça correspondente à história da ocupação desta região andina.

A dominação Incaica ocorreu a partir de 1.450 d.c. e representou a incorporação das zonas do sul do antiguo Kollao (hoje Bolívia). A organização política, social e econômica requeria que mantivesse o autoabastecimento e também o tempo livre suficiente para produzir as terras e gerar bens para o Inka, ou Sol. Tal forma de tributar e trabalhar foi característico da dominação Inca, a forma de trabalhar cooperativamente era chamada de mit'a, existindo a presença do kuraka enquanto representante de Inca, que podia ser algum senhor local ou trazido de fora. Foi política do Império respeitar as crenças existentes, apesar de influenciaram fortemente nos costume locais. Dominaram os leitos dos rios controlando a passagem de caravaneiros e cargas de transporte.

A presença Inca foi significativa na região de Porco, à mais de 4.000 mts de altura, considerada como uma das minas mais ricas do sul e, uma importante huaca. E por isso suas festas reuniam distintas culturas, que incluíam todas as etnias do sul até mesmo os guaranis. Depois da “conquista” Hermano Pizarro apenas importou-se de sacar toda riqueza que podia. Os Vales de Altura, à 3.800 metros ao nível do mar, eram ocupados pelos Wisijsa e com forte presença Inca. Nas mesetas altas à noroeste de Potosi surgiram os Sevaruyu, Haracapis e Uruquillas. A cidade de Chaqui também era uma importante cidade para o grupo Karakara. Os Chichas, situados a sudeste de Potosi, foram nomeados os chefes dos exércitos Incas, por suas grandes qualidade enquanto guerreiros.

Não é possível entender como havia tanto conhecimento entre aquelas duas pequenas portas de madeira, com uma placa “Museu de Antropologia e Arqueologia dos Andes Meridionais”. Conforme os sítios arqueológicos próximos ao povoado de Porco é possível reconstruir como viviam os ancestrais destas terras. Ruínas de grandes casas, silos, fornos para manipulação da prata e do ouro, e fortes militares em pontos estratégicos. O povoado de Porco representa tipicamente a tradição Inca, com a chegada dos espanhóis o território estava divido entre autóctones e forenses. Isto também repetiu-se em Potosi após o descobrimento do Cerro Rico, ou seja a existência das periferias, enquanto símbolo da distinção social existente, é confirmada pela ruínas existentes neste sítios.

Um novo mundo foi aberto ao entrarmos em contato com aquelas humildes paredes, tudo cheirava àquela umidade característica de museu, aquele silêncio tácito na presença de esqueletos humanos encontrados em posições funerárias praticadas. Minutos de nossas vidas entregues aos contos da ocupação pré-hispânica remota, dos intensos contatos interecológicos propiciados pelas caravanas de lhamas, o que significou um grande padrão do modelo de assentamento e de cerâmica. O fim da civilização Tiwanaku (1.200 d.c.) foi sucedido pela existência de grupos locais, organizados em federações que mantinham um certa unidade territorial e cultural antes de ser conquistadas pelos Incas e incorporados aos seus territórios.

E, em um tom de protesto, essas paredes denunciam o perigo que corre a história da ocupação humana neste território, devido aos constantes saques que vem ocorrendo nos sítios arquelógicos, pondo em risco o patrimônio cultural pré-colombiano de Potosí, da Bolivia e toda humanidade.

Baseado na exposição organizada por Dr. Patrice Lecoq do Instituto Francês de Estudos Andinos e pelo pessoal do Instituto Nacional de Arqueologia da Bolivia.


Potosí: Cerro Rico, Pueblo Pobre 
19/02/2011

Breve histórico da ocupação
Não está datado quando estabeleceu-se os primeiros habitantes no departamento de Potosi, mas acredita-se que foram os Uros e recentemente os Incas. As culturas pré-incaicas no território são: os Changos, Atacameños ou Cunzas na região dos Lípez e costa do pacífico. Já ao norte foram os Charquas, com elevado desenvolvimento cultural não falavam aymara nem quechua. Na região central pode-se encontrar restos arquelógicos da cultura Huruguilla, Yura, Chagui e Chichas, estes últimos eram bastante rebeldes, não submeteram-se aos Kollas nem aos Incas, mas mantiveram relações com os espanhóis, de quem herdaram o idioma.
A expansão Inca foi bastante recente (1470), na figura do Tupaj Yupanqui, o mesmo que chegou ao norte argentino e a parte central do Chile, ou seja pouco tempo antes da chegada de Colombo às Américas. Apesar da dominação ter sido breve nessa região, os povos dominados esqueceram seus costumes, idioma e religião em favor da cultura quechua. Potosí está formado por aymarás e quechuas, os primeiros são chamados de Kollas, pois habitam o Kollao, sua expansão foi desde as margens do Lago Titicaca até o norte da Villa Imperial, dominaram e impuseram sua cultura aos povos que habitavam nessas regiões. Já os quechuas são mais numerosos e chegaram até o Equador, Colômbia, Argentina e Chile. Assim o idioma aymara foi herdado dos Kollas, já o quechua foi imposto pelos Incas, que reconfigurou várias linguas locais como o Arwaco e Pano, e é considerado um produto da evolução do aymara, do qual conserva sua estrutura linguística e gramatical.

O monte que brota prata
Dizem que o inca Huaina Capac passou pelo monte de Potosí e intuiu que ali haveria muita riqueza. Mandou que alguns de seus vassalos viessem de Colque-Porco, um centro mineiro próximo, a trabalhar nas minas. Chegaram com suas ferramentas, registraram alguns veios, e, estando para começar o trabalho, escutaram um espantoso estrondo e uma voz que disse: “não tire a prata deste monte, pois pertence a outros donos”. Espantados, os índios voltaram a Porco e relataram o que havia acontecido. Disso derivou-se o nome de POTOCSI, que quer dizer “houve um grande estrondo”. Isto aconteceu 83 anos antes dos espanhóis descobrirem o monte.
Vista parcial do Cerro Rico e Villa Imperial
Há quem diga que não foi só por isso que se chamou Potosi, e sim porque, logo que se descobriram o monte, os índios o chamaram “orcko-potocchi” que quer dizer, o “monte que brota prata”. 


A lenda do “descobrimento” (pelos espanhóis)
O índio Diego Huallpa, natural de Chumbivilca, perto de Cuzco, saiu de Colque-Porco um dia para pastorar suas llamas. Não conseguindo chegar a um abrigo, por ter ficado tarde, teve de passar a noite no Monte de Potosi, hoje, o Cerro Rico. Pelo frio, foi obrigado a fazer uma fogueira, a qual manteve por toda a noite. Pela manhã notou que havia muita prata, e esta havia fundido e corria em belos fios. Vendo que era prata com cem por cento de pureza, esforçou-se para manter em segredo o Cerro. Fazia ele, sozinho, a exploração. Seu companheiro , Guanca, percebendo a repentina riqueza de Hualpa, pressiona-o a falar. Trabalharam por um ano junto e, por motivo de uma briga, Guanca o delata aos espanhóis, que tomam possessão e fundam “Cerro Rico”. Em primeiro de abril de 1545 é fundada a Villa Imperial e o Cerro começa a ser explorado, e mais de quatro séculos e meio depois segue dando minerais. Consideram que este monte possuía a maior riqueza do mundo, em termos da quantia de minerais existentes.

A Villa Imperial
Potosí, desde sua origem, é voltada à atividade mineira. A maioria da população trabalha direta ou indiretamente com a mineração. Há comércios, duas fábricas, e hoje em dia, muitos turistas visitam a região, sendo o turismo também uma fonte de renda aos moradores. O turismo começou já fazem mais de vinte anos, e os que visitam a cidade vêm principalmente pra ver as minas. Ou seja, até mesmo o turismo depende da existência delas. 
Conversando com mineiros e ex-mineiros descobre-se um pouco da cultura local, um pouco da dura realidade de quem nasceu aqui e carrega o fardo da prata nas costas. Nos contaram que no início os espanhóis trouxeram negros pra trabalharem como escravos nas minas de Potosí, e que estes não aguentavam o duro trabalho, a grande altitude e o frio tão distintos de suas terras natais. Padeciam muito rápido, suicidavam, e tiveram de serem mandados pra outros setores. Alguns foram fazer trabalhos domésticos ou trabalhar na Casa da Moeda, outros muitos foram mandados para os yungas de La Paz e hoje em dia ocupam-se principalmente do plantio de coca, frutas e outros vegetais. Atualmente quase não há afro-descendentes na chamada Vila Imperial.
Sobrou para o povo que habitava o altiplano. Acostumados às duras condições climáticas e ao trabalho em grandes altitudes, foram escravizados pelos espanhóis e aí seguem trabalhando por séculos, claro que já não mais como escravos. Eduardo Galeano, citado por Pedro, um ex-mineiro, em uma das entrevistas, disse que daria pra construir uma ponte da América até a Espanha com a prata que os espanhóis tiraram daqui. E outra ponte poderia ser feita com os ossos de toda gente que morreu mas minas e no beneficiamento do metal, o qual era feito com produtos de alta toxidade.
Depois da independência, foi a vez do neoimperialismo. Empresas estadunidenses, europeias e latinas faziam a festa, pagando baixíssimos salários e impostos. Os “tierratenentes” (latifundiários) expulsaram muitos campesinos, através de títulos concedidos pelo Estado, comprovavam a propriedade das terras e cobravam pelo arrendamento. Os despossados saíam feito cães sem donos, formando enormes contingentes de mão de obra barata que buscavam nas minas o sustento familiar, encontrando péssimas condições de trabalho, moradia e alimentação, onde a vida humana pouco valia. Muitos protestos eclodiram, muitos massacres responderam... Durante anos lutaram por melhorias nas condições de vida, em vão. As lideranças foram mortas e outros mineiros rechaçados violentamente.
Pedro,nosso informante nos conta um pouco sobre a revolta de 1952, quando a comunidade mineira de toda Bolívia uniu-se pela nacionalização das minas. Somaram-se os movimentos campesinos e vontade política do então presidente, culminando na reforma agrária e na nacionalização das minas bolivianas. Hoje, a riqueza produzida não vai mais para aquelas multinacionais. Os mineiros organizaram-se em cooperativas auto gestionadas. Em Potosí, poucas têm seus próprios engenhos para beneficiar os minerais e as que possuem sofrem com a corrupção, má administração e falta de confiança por parte dos mineiros, que muitas vezes preferem vender sua produção para os engenhos particulares, sendo pagos pela quantidade e qualidade do material.

Menino mineiro
Muitos meninos vão às minas trabalhar desde cedo, seja para ajudar na renda familiar ou pelo falecimento de seu pai, e quanto a isso não há qualquer forma de fiscalização. O pai do informante começou a trabalhar com quatorze anos, quando seu avô morreu. Já ele foi com seus irmãos ajudá-lo, devido aos problemas financeiros da família. Iam cedo às minas, para que à tarde pudessem ir à escola. Recém chegado à mina, trabalhava de Sibato, levando e trazendo coisas ao seu pai: água, ferramentas, coca e o que mais precisasse. Também acendia a dinamite que seu pai colocava em lugares apertados, onde ele teria mais agilidade pra sair. Depois começou a fazer trabalhos com a pá e o carrinho. Aos quinze anos já sentia dores nas costas, e dizia chorando para sua mãe, que fazia massagens e aplicava uma pasta de coca mascada com açúcar para aliviá-las. Aos dezoito anos sofria com as moléstias do trabalho degradante e resolveu estudar turismo, começou a trabalhar na área e em pouco tempo já conseguia sustentar-se com esta atividade.
Hoje trabalha levando os visitantes a verem um pouco da dura vida abaixo da terra. Calor, poeira, lama, escuridão. Está feliz por continuar em contato com seus ex-colegas, os quais alguns o admiram por seu novo emprego, já outros o caçoam dizendo ser um “trabajo de chicas”. Os mineiros não se incomodam tanto com os turistas, porque os guias sempre os dizem para levarem presentes: folhas de coca, refrescos, refrigerantes. A maioria deles nos pareceu simpáticos e dispostos a responderem perguntas, e outros demonstravam certa indignação por ser atração turística. Não nos sentíamos muito a vontade de estar ali enquanto turistas, mas ao menos em Potosí, era a única forma de entrar numa mina. No fim das contas, foi bem proveitoso.

La Feria
Próximo ao Cerro Rico há a chamada Feria Minera, aonde pode-se encontrar todos tipos de provisões para quem ali trabalha, desde ferramentas, acessórios de segurança, os famosos desjejuns (picadinho de carne com batatas, buchada – as famosas tripitas, frango com fritas, etc), álcool 96º potável “Buen Gusto”, muito apreciado pelos mineiros, coca e... Dinamites! Qualquer um pode comprar, independente de idade, etnia, nacionalidade, gênero. Não há qualquer forma de fiscalização. Como disse nosso guia: “Ainda bem que aqui na Bolívia não sofremos com ataques terroristas...”

A organização das cooperativas mineiras
Primeiro, há os grupos de trabalhadores, grandes e pequenos. Alguns constituídos somente de familiares e há os que trabalham sozinhos. Os grupos seriam as pessoas que juntas exploram um ou mais veios. Os vários grupos estão organizados em uma Seção, que seria uma mina propriamente dita, com uma ou mais entradas, e às vezes possuem conexão com outras. Cada seção tem seu presidente, vice presidente, tesoureiro e secretário de esportes. Qualquer problema entre os grupos é responsabilidade dos dirigentes da seção, que são mineiros eleitos para exercer tais funções. As seções estão organizadas em cooperativas, as quais também têm presidente, tesoureiro etc. Há quatro grandes cooperativas em Potosi, cada uma com mais de 20 seções, e há outras menores. Elas estão subordinadas a Federação Departamental de Cooperativas Mineiras (FEDECOMI), com seus dirigentes mineiros eleitos, e esta, à Federação Nacional de Cooperativas Mineiras (FENCOMI).
Nas entrevistas concedidas e na excursão ao interior da mina, nos disseram que houve brigas entre seções, e que chegaram a utilizar pequenas bisnagas de dinamite como arma! Hoje as divergências são resolvidas através das cooperativas, enquanto um meio de organização.

Trajetória do mineiro na cooperativa:
Começa como peão, ganhando um salário fixo. Passado um ano torna-se “segunda mão”, dando metade do que produz ao dono do veio, o qual fornece todas ferramentas e materiais. Com um ano a mais de trabalho passa a dar somente dez por cento e arca com todo seu material. Pagando dois a sete mil bolivianos, pode-se associar a cooperativa, e aí qualquer veio que encontrar é seu, ou de seu grupo. A jornada de trabalho não é controlada, os mineiros escolhem o horário e os dias de labor, mas geralmente o fazem em horário comercial. De tudo que ganham, doze por cento é destinado às cooperativas e federações, ao caixa nacional de saúde e à previdência.

Crenças, credos, manias, hábitos, sinas...
No interior de uma mina, nosso guia, Wilson, que ainda trabalha como mineiro na baixa temporada de turismo, senta-se ao lado de uma escultura
"El Tío" e nosso guia
“Este é o Tío. Para os mineiros “Supai”, em quechua, o diabo. Em espanhol, chamavam de diós, mas em quechua não há a consoante “d”, então começaram a chamá-lo de Tío. O dono das minas, dos veios. Da obscuridade, da escuridão. É um Tío mineiro, usa botas, e geralmente se faz do barro misturado com pêlos de porco, ou palha, para dar mais resistência. Sempre com o pênis ereto, simbolizando fertilidade, virilidade e machismo. Os mineiros sempre vêm com presentes, principalmente no carnaval, e na primeira e última sexta-feira do ano. Ou às vezes, a primeira e última sexta do mês, vêm a compartir com o Tío. Nas primeiras geralmente vêm pedir segurança, mais mineral, já nas últimas, vêm para agradecer. Lhe dão cigarros, coca e álcool. Há uma crença de que, se dão álcool puro, ele os presenteará com minerais mais puros. Se mistura com refrigerantes, água ou suco, ele retribuirá com minerais de pior qualidade. Fazem também oferendas com fetos de llama. Quase todos Tíos têm o coração de prata.
Feto de Llama aos pés do Supai
Há uma história de um mineiro que fez um pacto com o diabo, nos conta o guia que: “Da noite pro dia ficou rico, mas dizem que ele não cumpriu com sua palavra. Tinha muitas mulheres, era bebedor... Tinha carros, casas... Como não cumpriu com sua promessa, as casas pegaram fogo e os carros misteriosamente fundiram ou desapareceram. Com o dinheiro que tinha, tratou de procurar novos veios, em vão. Só conseguia subsistir. Perdeu tudo, e não conseguia largar a bebida. Ao final, sua própria família o abandonou. Hoje, vive na parte alta do cerro e joga pedras em quem se acerca... Raras vezes lhe dará uma conversa. Desce a cidade somente para comprar mantimentos. Tem vergonha, não pode aceitar que da noite pro dia ficou pobre.”
Dizem que há muitos mineiros que fazem pacto com o diabo, fazendo oferendas até de fetos humanos! Porém são excessões, geralmente os pedidos são de prosperidade e agradecimento.
...Então presenciamos o guia fazendo uma oferenda: acende um cigarro e põe na boca de Tío. Joga folhas de coca em seus pés e pernas, depois enche um pequeno copo com álcool, despeja um pouco, dá um gole e oferece a todos. O copo passa de mão em mão, e antes de cada gole, um ao Tío.
A maioria dos mineiros é politeísta, crêem no Tío, na Pachamama, no Deus Sol ou Tata Inti e na Deusa Lua ou Mama Kylla. Apesar dos espanhóis terem imposto sua cultura e língua, proibido o quechua e em cima dos antigos templos construido igrejas, os nativos faziam oferenda a seus deuses, sem que eles percebessem: “Não puderam mudar tudo...”

Em Potosi, o salário mínimo é de 500 bolivianos, já a atividade mineira rende entre 1500 e 2000 bolivianos. No entanto não compensa, pois a qualidade de vida no interior das minas é baixíssima, principalmente devido ao pó decorrente das explosões. É comum entre os mineiros a existência de enfermidades respiratórias, como a silicosis, em quechua - C'oy oncoy. A situação é alarmente pois poucos usam proteção para reduzir a quantidade de pó aspirado. Outro problema de saúde enfrentado deve-se ao álcool, consumido em grande escala. Esta realidade repete-se em Oruro, La Paz e Cochabamba. Ou seja, a qualidade de vida dos trabalhadores da minas é péssima, mesclando as duras condições de trabalho com hábitos alimentares e estilos de vida comprometedores o resultado é uma baixa expectativa de vida. Dentro desta atividade todos estão conscientes que irão morrer cedo, principalmente com problemas nos pulmões. Quando esta doença está em estágio avançado, o rosto tornar-se mais escuro e ao redor dos olhos alaranjado, sofrem com tosses intensas, e na fase terminal chegam até mesmo a tossir sangue. São raros os que trabalham até 40 anos! Aqueles que eram agricultores e possuem melhores hábitos alimentares tem sua média de vida entre 48 e 58 anos. 
Entre os mineiros é comum ter entre 4 e 7 filhos. Com a expectativa de vida baixa e famílias numerosas, impulsionados pela necessidade familiar e pelo exemplo de gerações (avô mineiro, pai mineiro), pequenos jovens também buscam o sustento familiar dentro das minas. Assim, muitos não concluem os estudos e poucos conseguem sair da mineração, pois não encontram sucesso em outras atividades seja em outras localidades ou fora do país.




Estórias de pobreza na história da riqueza
Toda prata, ouro e demais minerais extraído do Cerro Rico no largo da história tem significado muita ilusão e exclusão. Impulsionou a Bolivia no cenário colonial da exploração intensa e marcou a cultura local com o sangue que as minas custaram, e continuam custando àqueles que buscam o sustento com a atividade mineira. Essa situação carrega séculos de desigualdade social, reflexo do modelo de desenvolvimento dependente adotado pelas oligarquias que estiveram no poder. A economia boliviana até hoje é marcada pela exportação, seja de minerais em estado bruto, seja do gás ou de comoddities agrícolas, e da importação de produtos industrializados. 
Lixo acumulado nas ruas devido à greve.

Toda a poeira aspirada em Potosi, toda a falta de planejamento urbano e familiar, toda a precaridade e informalidade do trabalho, toda a miséria encontrada nas ruas, que repete-se nas demais cidades bolivianas (generalizado no terceiro mundo), é a alta tecnologia, o poder econômico e as condições laborais do chamado primeiro mundo. A miséria do nosso continente é o pagamento que os conquistadores e a república dão ao povo pelos séculos de sacrifício e sangue derramado para sustentar seu perverso desenvolvimento.
Com 64% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, as duras décadas de neoliberalismo vivenciados permitiram o cenário dos últimos anos na Bolívia. Alguns assemelham o ocorrido em 2003 com os dias da Grande Rebelião de 1780-82, dada a magnitude, a participação de vários setores sociais e sua vinculação com reformas econômicas. As manifestações de 2003 – o Impuestazo, o Massacre de Warisata e a Guerra do Gás, resultaram na renúncia do presidente Sánchez de Losada, o setor mineiro teve grande participação e retomaram seu papel histórico na organização das bases populares. Os eventos ocorridos ainda em 2000, Guerra da Água em Cochabamba e os bloqueios campesinos em Achacachi sinalizavam as mudanças que estariam por ocorrer em território boliviano. A presença de Evo Morales no comando do estado pode representar um outro tipo de desenvolvimento, mas existe um longo caminho a trilhar pelas populações rumo a autonomia e a novos estilos de vida, onde a organização popular signifique a decadência do paradigma neoliberal na Bolívia, enquanto parte de uma tendência generalizada em nosso continente.

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Tariquía: Reserva Nacional com Gente!
18/02/2011



Partimos de Tarija, capital do departamento que leva o mesmo nome. Esta região do sul da Bolívia é a maior produtora de gás do país. Considerada por seus cidadãos como uma cidade moderna e desenvolvida, com muita oportunidades de emprego. A região é também uma grande produtora de vinho. Aos arredores da cidade os vales são férteis e cheios de vinícolas, bodegas e paisagem campestre exuberante. Local ideal para o paradeiro de muitos turistas. Porém, nosso destino é outro. Aqui temos como objetivo visitar a Reserva Nacional de Flora e Fauna Tariquía, cento e tantos quilômetros ao sul, onde residem dentro da reserva comunidades campesinas. O acesso ao local é restrito. Assim, tivemos que pedir autorização ainda em Tarija para o SERNAP (Serviço Nacional de Áreas Protegidas). Apresentamos nosso projeto, e após um dia de espera, mas sem muita dificuldade conseguimos autorização.
Rumamos para a “Parada del Chaco”, um pequeno terminal de ônibus onde definitivamente não havia turistas. A população local nos olhava como se fossemos alienígenas. Três jovens, nitidamente estranjeiros, com monociclo, malabares, pandeiro, mochilas gigantes e falando português. “O que vão fazer em Salinas? Lá só tem vacas e pernilongos!”, diziam, inconformados com nossa decisão de desviarmos da famosa rota turística da região. A distância apesar de modéstia nos custou quase 7 horas para ser vencida. 
 A estrada toda de terra, como a maioria das estradas que andamos na Bolívia, cheia de curvas e buracos em meio a quase nada de civilização a vista. Baixamos um pouco na altitude, e na medida em que íamos nos afastando de Tarija a vegetação mudava drasticamente. A princípio o clima seco e de altitude no meio das montanhas proporcionava uma vegetação pobre, composta basicamente de cactos e alguns arbustos, similar a encontrada em todo o altiplano andino, e que já havíamos registrado na Quebrada de Humahuaca. Conforme fomos descendo, a vegetação foi diversificando-se, e assemelha-se à que ocorre no Brasil conhecido como cerrado. Arbustos e árvores não muito grande com troncos retorcidos e solo seco. Mais um pouco de descida e já estávamos em outro ambiente. Árvores grandes e verdes recobriam os morros, a vegetação já apresentava-se como uma floresta, e assim seguimos, durantes horas, curva após curva, até chegarmos em Salinas, dentro dos limites da Reserva Tariquía, um pequeno povoado rural, com casas afastadas centenas de metros uma das outras.

Ficamos alojados no acampamento da SERNAP, na entrada da Reserva, e recebidos pelo Guardaparque Oliver. Ali tivemos um canto para armar nossa barraca e uma cozinha disponível para fazer nossa comida. Apresentamos nosso projeto ao anfitrião, e após ter entendido nossa intenção dentro da Reserva, levou-nos a conhecer muitos campesinos que viviam nas cercanias, alguns deles seus próprios familiares. Tal unidade de conservação totaliza uma área de 246.870 hec. e abrange 15 comunidades campesinas, somando uma população de 3.680 habitantes. A nós só restou uma pequena parte dele, pois estávamos no verão e com as chuvas os rios estavam cheios, tornando impossível atravessá-los para ir a outras comunidades. Em nossas caminhadas descobrimos que a vegetação exuberante marcada pelo verde intenso, visível nessa época de verão torna-se seca, e a maioria das árvores perdem suas folhas, caracterizando uma floresta semi-decidual conhecida como Yungas. A população local chama essa vegetação de Monte. 
Após algumas conversas e entrevistas com a população descobrimos um pouco sobre a história do local, as principais atividades exercidas, os principais problemas e conflitos existente no território. Há indício de ocupações indígenas da etnia Guaraní na região. Até hoje é possível encontrar nas montanhas indícios de seus caminhos agora abandonados em meio a vegetação. Apesar de terem características físicas que os assemelha muito aos Guaranís a população local se diz descendente dos espanhóis que chegaram na região através dos Jesuítas com o intuito de “ensinar o cristianismo e civilizar os selvagens”, assim criaram assentamentos e igrejas que existem desde então. As narrativas locais nos contam que, na época da Guerra do Chaco, na década de 1930, os Guaranís, com medo de serem obrigados a lutar ao lado dos espanhóis, fugiram mais adentro da mata, nos territórios onde hoje conhecemos como Argentina e Brasil. Fugiram da guerra ou da imposição de uma cultura exógena. O que se nota é que a tentativa Jesuíta na região foi bem sucedida: pouco se sabe, pouco se fala e pouco interesse tem a população local sobre a “cultura selvagem” que em tempos antigos ocuparam esses territórios.
Dos espanhóis herdaram a religião, a língua e o costume de criar gado. Essa é a principal atividade da região e vem de tempos antigos. Os mais velhos dizem que sues avós já praticavam o pastoreio nestas terras nas épocas das missões jesuíticas, porém a vida era muito mais difícil. Sem acessibilidade pelas largas estradas, a locomoção era feita somente no lombo de animais (cavalos e burros), e nas chuvas muitas famílias ficavam praticamente isoladas, tendo que percorrer caminhos de dias para chegar a alguma cidade. Assim, praticar um comércio estável com as cidades mais proxímas era difícil, porque a maoiria dos produtos perdia seu valor só da dificuldade do transporte, por isso vivam do auto-consumo. Plantavam várias espécie de batatas, milho, trigo, contavam com moinhos manuais, faziam seu próprio sabão da banha do porco e alimentavam-se com a carne dos anumais que criavam e de caça. Os habitantes mais velhos contam que seus avós muitas vezes faziam fogo com pau e pedras pois os fósforos eram artigos raros na região. Contam também que a prata que conseguiam com a venda de animais na cidade, era enterrado nos quintais, pois pouca coisa precisava ser comprada. Esta prata acumulada anos e anos perdeu seu valor quando foram desenterradas ou então foram roubadas. 

A modernização capitalista para estas comunidades primeiramente representou acessibilidade, através de obras de infraestrutua do governo. Estradas foram criadas interligando Salinas ao município de Entre Rios, e Chiquiaca a Aguas Blancas. Assim a atividade pastoril pode desenvolver-se a níveis comerciais, e a população campesina do local foi inserindo-se na economia nacional através da venda principalmente de gado e cavalos. A maioria da agricultura continuava a ser praticada para o auto-consumo. Com exceção da produção de laranja, que teve um grande desenvolvimento na região. A princípio as arvores crioulas chegavam a dar 5 000 laranjas, conta um agricultor local. Porém tanto a produção citríca como a ganadeiria tiveram baixas devido a fatores naturais.
As árvores criolas foram acometidas de uma praga que impossibilitou a continuação desta atividade, os pomares eram consumidos antes da colheita, como foi relatado por mais de um informante. Também a produção dos bovinos teve suas baixas, e houve um período em que doenças como Urina de sangue e a Peste Rábica diminuiram drasticamente a produção na região. Nas “palavras do campesino local: “...viver no campo é como um jogo de tabuleiro. Se planta, se cria. Mas nunca se sabe se vai dar sorte ou azar”. A solução nessa região dependeu e depende da pluriatividade. Foi devido aos multiplos plantios e o desenvolvimento da criação de diversos animais que a comunidade sobreviveu as dificuldades econômicas encontradas.
Porém a modernização não trouxe só melhorias, para além da acessibilidade e de novas possibilidades de gerar renda, ela trouxe consigo a necessidade cada vez maior de novos e novos objetos e mercadoria, do consumo rotineiro e constante. E assim que muitos dos jovens, cansados dessa vida dura de trabalho no meio rural vão para cidade seja para estudar o ensino superior, ou para ter melhores possibilidades de empregos com garantias e salários fixos. Dessa maneira, o que ocorre é que a grande maioria dos jovens não permanecem na região. É facilmente verificável, através dos relatos locais, que a problemática do exôdo rural dos jovens é uma realidade preocupante, situação generalizada ao setor campesino.
Um novo ciclo de expansão da economia regional ocorreu com a exploração de madeira. Enquanto o problema do gado era resolvido através da utilização de vacinas e remédio veterinários, a extração de madeira representou uma nova e importante fonte de renda para a comunidade. Inicialmente a extração era feita com serras manuais simples, mas com o advento da moto-serra a quantia extraída cresceu exponencialmente, explica um campesino. Por conta disto muitos foram atraídos. Com o re-estabelecimento da saúde bovina, uma atividade complementava a outra, e os campos que eram desmatados para fornecer madeira, logo transformavam-se em pastagem. Mesmo sem grandes latifundíos, os campesinos com as maiores propriedade alcançaram um alto padrão de consumo. Hoje estes controlam seus negócios nas cidades próximas como Tarija, caracterizando-se como empresários rurais. Porém muitos também são os que continuam vivendo em pequenas propriedades, plantando para auto-consumo e criando algumas poucas cabeças de gado, cavalos e suínos. 
Outros reflexos negativos deste estilo de desenvolvimento trazido pela modernização capitalista podem ser observado pela grande quantidade de erosão de solo acelerada (voçorocas) que se encontra na região fruto do desmatamento e pastoreio mal planejado. O desenvolvimento rural baseado no crescimento econômico nem sempre se procede de forma a garantir um manejo sustentavél do ambiente. O expansão desenfreada da pecuária, somado ao altos índices de desmtamento para extração de madeira é um otimo exemplo disso, na medida que, apesar de contribuir significativamente na ascenção econômica de alguns campesinos gerou impactos negativos em relação a conservação ambiental de região. 
Como reflexo deste problema ambiental surgiu a Reserva Nacional de Fauna e Flora Tariquía, com o objetivo de conservar o ecossitema dos yungas e proteger uma parte da bacia hidrográfica do Rio Bermejo, visualizando o potencial da região no fornecimento de água. Seus limites abrangem 4 municípios: Padcaya, Entre Rios, Concepción, Caraparí. No local foi proíbido a extração de madeira, a pesca com dinamite e a caça de animais selvagens como Jaguar e Anta. Vale ressaltar a importância de Reservas Nacionais como esta, em que a conservação do meio-ambiente é pensada e executada através de manejo sustentáveis dos recuros, ou seja, com a participação de comunidade local. Muitas reservas, inclusive no Brasil, foram criadas a partir do paradigma preservacionista estadunidense, onde uma área que é destinada a preservação devido à sua importância ecológica não permite nenhuma ocupação humana. Novas concepções sobre o tema estão sendo desenvolvidas, e cada vez mais cresce a importância de inserir as comunidades na gestão de áreas em conservação, inclusive que elas possam beneficiar-se desta atividade. Além disso, cada vez mais ecoa institucionalmente a necessidade de valorizar a conservação da agrobiodiversidade, que abarca todos os recursos biológicos em termos de espécies, subespécies, raças e variedades de plantas e animais que são domesticadas, criadas e cultivadas pelos seres humanos em cada ambiente específico.
Mesmo tendo um espaço de participação na organização e gestão da reserva, muitos membros da comunidade receberam o decreto como uma imposição. Principalmente nos municípios onde a extração de madeira era mais intenso e entre os empresários rurais, o descontentamento foi maior. Com intenção de facilitar a introdução de uma nova fonte de renda, o governo, através do SERNAP, ajudou a população local a criar uma associação de apicultores que conta com campesinos de todos os municípios de dentro do parque. Há uma sede na cidade de Tarija, que compra o mel dos agricultores e se encarrega de buscar mercado para o produto. Como explica um dos associados, a introdução da apicultura agrega muita gente e realmente auxília na renda famíliar, porém não era uma atividade tradicional da região, e mesmo tendo todos os equipamentos técnicos necessários para a produção muitos agricultores não se acustumaram com a nova atividade. E além disso, não é uma produção constante e programada. Como exemplo temos a geada no inverno de 2009 que foi tão intensa que fez com que as abelhas fossem embora, assim a produção de mel foi praticamente nula em toda a região. Outros conflitos entre a comunidade e o SERNAP é a questão da caça. O gado, na época seca do inverno, sobem os morros para pastar, e ali são predadas pelo jaguar, animal que são proibídos de caçar. Nas palavras de uma moradora local: “a SERNAP tirou um braço da comunidade (extração de madeira) e até agora não deu mais que um dedo em troca.”
Apesar de todos os conflitos muitos moradores tem consciência da importância de cuidar do meio-ambiente em que vivem e do qual tiram seu sustento. Coomprendem que o desmatamento continuo para a extração de madeira acabaria com a vegetação tão exuberante da região e que a pesca com dinamite representa um desequilíbrio muito grande ao ecossitema áquatico. Resaltam no entanto, a necessidade de mais programas e projetos por parte da SERNAP, que não conta com especialistas em condições de capacitar a população local a desenvolver novas atividades que se mostram ambientalmente sustentáveis. Como os produtos rurais que eles têm a oferecer, e que lhes é permitido cultivar, não têm muito valor agregado, a população local tem que se benificiar economicamente da atividade de proteção ambiental que passaram exercer. 





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Relatório de Investigación
TERRITORIO QUEBRADA DE HUMAHUACA
Cerro de Siete Colores - Purmamarca

Caracterização do ambiente
            A região situa-se dentro da província de Jujuy no noroeste argentino e no extremo norte da província de Salta. Extende-se por aproximadamente 170km na direção norte-sul e representa o Vale do Rio Grande e seus principais afluentes. A altitude média é de 2 000 metros, no entanto as serras que cercam e delimitam a Quebrada podem chegar até 5 000 metros em alguns pontos. A ocupação da região é muito antiga, estimado em 10 mil anos A.C. de presença humana. E configura-se como um corredor natural que liga o noroeste da Argentina com o altiplano boliviano.

            A Quebrada de Humahuaca caracteriza-se por um clima estacional, onde o período de chuva se concentra de setembro à fevereiro, e o inverno é extremamente seco. Assim que, no verão muitas das chuvas não chegam até a Quebrada pois são seguradas pelas montanhas altas que cercam a região.
Rochas antigas dobradas e novos sedimentos fluviais.

            A geologia e geomorfologia é complexa e muito antiga. Há arenitos marinhos, os mais antigos, de 600 milhões de anos(Ma). À 540 Ma transformou-se em um ambiente lacustre-marinho de pouca profundidade onde sedimentou-se siltes e argilas. Há 470 Ma o região sofreu um soerguimento devido aos movimentos das placas continentais e houve um período de hiato na deposição. As rochas passaram a ser erodidas pelas ação do regime pluvial e das bacias hidrográficas que ali se instalaram.  Houve um novo soerguimento à 30 Ma com o choque da placa de Nazca e a Sul-americana e a formação da cadeia montanhosa dos Andes. Assim, as rochas mais  antigas da região sofreram e transformaram-se com ação endógena, altamente fraturadas e dobradas.
Nìves de terraços fluviais causados por incisao do vale fluvial.
            Essas rochas antigas hoje estão sendo recobertas por novos sedimentos provenientes das nova rede hidrográfica que estabeleceu-se e, também, devido  ao processo de intemperismo físico representado pela termoclastia nos períodos de seca, que é muito intensa no inverno. Assim, os sedimentos que acabam carreados para os vales fluviais são prioritariamente seixos que rolam pelas encostas muito íngremes da região, entulhando-os. Há muitos indícios de que esse processo ocorre, em muitos casos, através dos movimentos de massa como os desmoronamentos. Por grandes períodos de tempo a água não preenche toda a superfície de inundação, o que ocorre somente após episódios de chuvas intensas. Tais episódios acontecem prioritariamente no verão, que devido a alta dos rios escavam cannyons e profundos vales, verificado pela presença de alguns níveis de terraços fluviais antigos. Estes novos depósitos apesar de muito erodidos pelo processo de incisão do vale fluvial em épocas de chuvas não sofreram ação endógena, e ainda mantém seu plano de sedimentação horizontal diferentemente das rochas mais antigas.

Leito do rio seco e com depocisao de seixos.

      Marcado por encostas extremamente íngremes e com pouco desenvolvimento de solo, e um vale fluvial onde predomina seixos, o potencial ecológico a ser explorado pela vegetação é reduzido. Nas encostas predominam poucas espécies que apresentam adaptações às condições de secura e alta amplitude térmica. Raízes profundas e espinhos são alguns exemplos.

História da ocupação humana
            É neste contexto de montanhas de até 5 000 metros de altitude formadas por antigas rochas  dobradas e fraturadas, e da formação de Terraços Fluviais ao longo dos vales escavados durante anos pelo leito do rio,  que  a ocupação humana estabeleceu-se há pelo menos 10 mil anos A.C., como podem comprovar os registro arqueológicos. Os primeiros habitantes aborígenes eram provavelmente caçadores coletores que desciam os vales em busca de proteção e água, e com o tempo tornaram-se agricultores.
Plantaçao de Milho.

            Porém a ocupação intensiva dos Pucarás foram tardios (1 000/1 480 D.C.), e continuaram durante o breve período de dominação Inca até a ocupação espanhola, consolidada em 1594 com a prisão do cacique de Tilcara – Viltipoco. Os povos da Quebrada (Omaguacas, Tilcaras o Fiscaras, Uquias, etc.)  descendentes dos Quechua e Aimarás que, descendo dos altiplanos andinos, chegaram a região e ocuparam os vales dos rios cultivando os terraços existentes. Seus cultivos eram: batatas (papas), milho (maiz), abóbora (zapallos), feijão (porotos), etc., utilizando-se de ferramentas simples e exclusivamente do uso da força humana.
Pastoreiro à 4.000 mts de altura - Pantipampa/ Iruya


Domesticaram animais como lhamas, utilizadas como animais de carga e na provisão da lã e carne, e caçavam animais silvestres como as vicuñas, guanacos, vizcachas, etc., para complementar sua dieta. 






Pucará em Tilcara
             Os Pukaras – em quechua: fortaleza – referem-se a sua localização em uma montanha de difícil acesso, construídos com pedras, o telhado  era feito com barro e palha assentados sobre cardones (espécie de cactus local). O Pucará de Tilcara está localizado em uma região que permite observar uma vista panorâmica da Quebrada de Humahuaca, demonstrando sua localização privilegiada para o controle de uma grande área de produção e assentamento populacional.  


            Apesar do intercâmbio e da troca que havia, devido a conformação natural de um corredor de ligação, as comunidades viviam com relativa autonomia. Seus objetos de uso diário eram na maioria feitos de cerâmica, mas também utilizavam pedras, madeiras, ossos e cabaças. Suas vestimentas eram feitas de lã de lhama e  vicuña, tingidas com tinturas naturais e tecidas com teares de cintura.
            A primeira invasão ocorreu em 1430, representada pela dominação Inca. Os Pucarás foram mantidos, e as ocupações dos terraços também, porém houve maior integração entre as comunidades que passaram a ter que produzir não só para suas necessidades mais também para o império. Desta época novas técnicas de irrigação foram incrementadas,  permitindo um maior aproveitamento dos terraços.  Apesar da imposição dos valores religiosos incaicos como a adoração ao Deus Sol e ao imperador, e da necessidade de se destinar uma parcela da produção para o império as populações que ali viviam continuaram trabalhando praticamente da mesma maneira: semeando os terraços e pastoreando animais domesticados pelos vales e montanhas da região.
            A dominação Incaica pouco durou. Pois em 1594 já estava consolidada a dominação dos espanhóis na região. Os povos que habitavam essa região foram submetidos ao regime de encomiendas, obrigados a residir em um único lugar e a trabalhar para os colonizadores. Tal situação representou em uma expressiva diminuição da população. Os Pucáras foram destruídos e novas cidades foram construídas mais abaixo dos vales,  próximas ao leito do rio, aproveitando o clima seco da região a nova arquitetura se baseou na construção com adobe. A reconstrução do Pucará de Tilcara deve-se ao esforço de alguns arqueológicos, que iniciaram suas investigações em 1908 e que até hoje continuam sendo estudados.
            Do período colonial à atualidade muito coisa mudou. Além da imposição da religião católica, as populações que foram obrigadas a trabalhar sobre o regime de encomiendas, também conviveram com a realidade de ser uma região de passagem entra a região mineradora de Jujuy e Potosí, tornando-se  provedora de carne e servindo também de entreposto comercial. Este processo levou a uma drástica diminuição populacional e o abandono generalizado de muitos dos terraços que antigamente eram ocupadas e cultivadas.
            Com o período da independência do país estas populações também sofreram, tanto pelo exército de libertação quanto pelo exército imperial, pois estes passavam pela região e saqueavam os recursos que haviam para a manutenção do exército. Esta situação perdurou mesmo com a promulgação da independência em Buenos Aires, pois somente após 11 anos da declaração desta que ela  realmente se efetivou na Quebrada de Humahuaca, demonstrando como este território foi palco de intensivos conflitos entre as tropas libertadoras e imperiais.
            Depois da consolidação da  fronteira, a Argentina entrou no processo de modernização do país, levado a cabo pela criação de engenhos de açúcar como uma solução para o desenvolvimento da região. Neste processo, os antigos povos tradicionais, primeiramente subjugados pelos Incas, e posteriormente pelos Espanhóis, não tiveram seus territórios reconhecidos, e foram compulsivamente forçados a trabalhar nos engenhos para pagar pelo “arrendamento” da terra que desde sempre foram cultivadas por seus ancestrais.
            Foram construídas estradas de ferros e a economia local ingressou na dinâmica capitalista nacional as custas do trabalho (quase) escravo de descendentes Quechua e Aimará nas lavouras de cana. Os antigos terraços, em sua maioria continuam no esquecimento, e como nos relatam os antigos moradores, muito deles foram completamente erodidos pela  não utilização e ação erosiva da chuva. Apenas poucos terraços  continuam sendo  cultivados por algumas famílias.
            Segundo algumas narrativas locais, como a do Seu Leonardo morador de San Juan que trabalhou 30 anos no corte da cana de açúcar, e o documentário Rio Arriba, exibido diariamente no Cine-Debate da Casa da Cultura A.WA.WA. em Iruya, este território está marcado pela ação do governo argentino em gerar divisas para a economia nacional, gerando impactos irreversíveis para a cultura e o ecossistema local. O surgimento do Engenho San Isidro em 1763 neste território representava a ação do Estado aliado com interesse da oligarquia nacional, pois a construção das ferrovias nesta região esteve totalmente vinculada com a Indústria Açucareira, e quando houve o declínio deste somado a novos interesses as ferrovias praticamente foram abandonadas.
            Durante muito tempo, e ainda presente na memória de muita gente que se beneficiou com este setor, a Indústria açucareira representava o progresso. No caso do Engenho de San Isidro os trabalhadores eram praticamente todos da etnia Kolla, que no período de safra (setembro à dezembro) tornava suas localidades em desertos. Uma estratégia para forçar os Kolla a saírem de seus territórios na safra do açúcar, foi que por estes não terem os títulos de suas terras foram obrigados a acreditar que suas terras não lhes pertenciam. Assim os intitulados verdadeiros donos, apoiados pelo Estado, arrendaram as terras para os Kolla, como estes não tinham valor monetário para pagar pelo arrendamento foram forçados a trabalhar para o Engenho em troca de baixos salários.
            No entanto, os patrões também utilizaram-se da estratégia dos armazéns, onde os trabalhadores acabavam sempre estando endividados e, por isso todos os anos eram obrigados a voltar a trabalhar para os engenhos. Aqueles que negavam trabalhar para os Engenhos era ameaçados, e em alguns casos, mortos a mando dos donos dos engenhos. Essa situação de constantes saídas de suas terras e a criação de dependência implicou no abandono dos antigos  terraços agricultáveis, que no médio/longo prazo acabou, por conta da geografia local, intensificando a erosão e a constância dos chamados volcanes (desbarrancamento de grandes áreas de terra levados com intensa força pela chuva através dos leitos dos rios). Antigamente as chuvas que pouco impactavam, na atualidade realizam um estrago inestimável.
            Com a modernização do campo, a colheita da cana começou a ser feita com maquinário próprio, tornando a grande massa de mão-de-obra desnecessária. Desempregados, alguns voltaram viver da agricultura de subsistência onde era possível (em situação precária devido a erosão generalizada dos terraços), e muitos outros foram buscar oportunidades de trabalho nas cidades.
            Os impactos da história da Indústria Açucareira para as populações que viviam entre as montanhas é incalculável e irreversível, seja para a cultura, seja para o ecossistema destes territórios. Tornou a história destas populações indígenas em peça de museu. 
            Hoje, após tantos anos de disputas territoriais, imposição e transformação culturais,  o governo argentino reconheceu o direito a terra por parte dos povos originários. Como foi o caso em Iruya, com a etnia Kolla, onde títulos de terras indígenas comunitárias foram concedidos a quase todos os descendentes dos antigos povos que ocupavam esta região.


 Expressões culturais

Encontros de Copleros de Purmamarca
            É possível observar em distintos momentos, tanto nos Encontros de Copleros de Purmamarca, como nas demonstrações do folclore local realizadas pela Casa de Cultura A.WA.WA. em Iruya, como tais comunidades estão integradas no ciclo da natureza. Conforme os relatos locais tocar a caja e imitar o som emitido pela vaca, representa anunciar a chegada do verão, pois a vaca anuncia a chuva que ocorre somente nesta época. Ou seja, tocar caja, que é feita com o couro da vaca, é chamar a chuva. Neste momento acredita-se que o Diabo está presente, e o carnaval representa o momento em que este está louco, para então em seguida ser enterrado.
            Já o frio e o inverno representam também a entrada da tristeza, é quando se enterra o Diabo. Por isso é tocado algo triste nessa época, onde os instrumentos de sopro representam e estão ligados ao vento, característico do inverno. E assim, há o momento em que já não é mais hora de chamar o vento e sim a chuva, que representa o verão. Desta forma tanto os rituais como a produção agropastoril estão associadas aos ciclos da natureza.

Os impactos do turismo no território
Todos os dias o lixo era queimado, coleta a soluçao?! Reduza o consumo!
            A promulgação do decreto em 2003, pela Unesco, transformou a Quebrada de Humahuaca em Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade, concretamente isto representou estar na  rota internacional do turismo, causando uma avalanche de visitantes de toda parte do globo durante o ano inteiro. No verão é invadida por jovens mochileiros, em sua maioria latinoamericanos, e no inverno por famílias de maior poder econômico e turistas europeus. Isso atraiu a atenção tanto de investidores forenses quanto a de nativos, que começaram a construir toda uma estrutura de hospedagem e alimentação nas vilas e pequenos povoados. É notável a degradação causada pela falta de estrutura como coleta de lixo e tratamento de esgoto (nos casos extremos vê-se queima de lixo e esgoto a céu aberto contrastando com  lugares de espetacular beleza paisagística).
            A chegada do turismo internacional representou a intensiva atividade de especulação imobiliária no território, elevando o valor da terra e do custo de vida. E, como a dinâmica capitalista sempre é contraditória, alguns souberam aproveitar e outros foram marginalizados da dinâmica de desenvolvimento dominante, ficando somente com os subempregos. No caso de Iruya, onde as terras são consideradas propriedade comunitária “privada”, denominada Território Indígena Finca el Potrero,  a compra e venda só pode ser feita entre membros da comunidade, diminuindo a especulação imobiliária e evitando os investimentos externos.
            Do ponto de vista cultural, são notáveis as mudanças ocasionadas pelo turismo no modo de vida das populações, nos seus hábitos de consumo e em suas tradições. Algumas destas  foram resgatadas e enquadradas de forma mais apresentável e atrativa, e algo que era familiar e mais íntimo transformou-se numa grande festa, como no caso da copla e dos Encontros de Copleros.
            A dinâmica do desenvolvimento capitalista contemporâneo é  expressado neste território pela expansão e consolidação do turismo. Inúmeras famílias saíram da agricultura para ocuparem-se destas atividades, outras ainda mantém um pedaço de terra e alguns cultivos, e vão-se as vilas na alta temporada buscar trabalho. Com a chegada dos meios de comunicação de massa, e a mudança dos hábitos de consumo, diversos produtos regionais tiveram sua produção e consumo drasticamente diminuídos. Exemplos disso são a Chicha, a tecelagem e a cerâmica, técnicas passadas de geração a geração que estão hoje condicionadas pela dinâmica em curso, e em alguns casos, ameaçadas de desaparecimento. No caso dos artesanatos, a maior parte é trazida da Bolívia, pelo preço e facilidade, para serem vendidos nas feiras locais.
            Aos jovens que vivem na região, o turismo representa uma possibilidade de trabalho e de manterem-se nessas cidades, não tendo que migrar para cidades maiores em busca de oportunidades como aconteceu com gerações anteriores. Pela falta de condições de estudo, como no caso de Tilcara que inexiste escola secundária, os jovens migram para San Salvador de Jujuy e retornam nos fins de semana e nas férias. Já em Iruya que conta com secundário, os poucos que alcançam o nível terciário (profissionalizante) ou universitário não encontram perspectivas para voltar ao seu território. No entanto, há exceções, e alguns jovens sentem orgulho de voltarem ao seu território para lecionar nas escolas locais e ajudar suas famílias na lida com a terra. 
            Até mesmo nos povoados mais distantes, os quais não tem eletricidade e seu acesso é feito apenas caminhando ou no lombo de animais, desenvolveu-se uma pequena estrutura turística, na qual os próprios campesinos improvisam hospedagens em suas casas, e recebem os poucos turistas que chegam, oferecendo refeições e mostrando um pouco de seu modo de vida. Em dias normais, criam suas cabras e cuidam de suas lavouras, numa vida rústica desprovida de muitos confortos, como é observável em San Juan, povoado localizado a seis horas de caminhada de Iruya.
Caminho para Comunidade San Juan - Iruya

            Em Iruya e alguns povoados próximos, como San Isidro, o acesso depende das condições climáticas, pois as vias de transporte em sua maioria estão construídas nos leitos dos rios ou os atravessam. Assim que, conforme a intensidade das chuvas e o volume de água dos rios estas comunidades ficam isoladas.                         

O valor territorial da agricultura camponesa
            Por conta do ecossistema de montanhas, a paisagem da região é marcada por pequenas áreas de cultivo, conhecida como “ilhas” e, que alguns pesquisadores tem classificado como modelo de “arquipélago” (Murra, 2006 apud Cajal et al). Nota-se, dessa forma, que as populações dessa região desenvolveram uma enorme poder de adaptação à geografia local. Essas comunidades situadas no noroeste argentino desenvolveram importantes culturas devido a domesticação de plantas e animais.
           
Trabalho nas terras comunitárias.
A região andina representa um importante núcleo da agrobiodiversidade, principalmente por ser um ponto onde surgiram uma variedade de cultivos, em particular os tubérculos. O cultivo de batatas crioulas nos Vales de Altura deste território está entre os três pontos de maior riqueza de espécies de batatas silvestres no continente americano (Hijmans et al, 2007 apud Cajal et al). E concretamente isso representa que um agricultor tradicional desta região, voltado para a conservação genética dos cultivos de batatas, não é a mesma coisa que um agricultor tradicional de outras regiões, pois este está manipulando um variedade genética que há muitos anos vem sendo melhorada pelos seus ancestrais.
            Ou seja, este caso demonstra que é a história e as peculiaridades do território é que definem o significado e a importância da agricultura camponesa nesta região. Assim, frente a perda da biodiversidade que vem ocorrendo nos territórios andinos, alguns projetos de investigação tem buscado disponibilizar informações sobre a agricultura e suas espécies crioulas com o objetivo de fortalecer a autonomia territorial. Os estudos sobre a conservação dos diferentes tipos de manejo e das diferentes espécies crioulas existentes, situados dentro de uma perspectiva territorial, têm apontado para o reconhecimento dos serviços ambientais que estes camponeses realizam para a manutenção da agricultura e da biodiversidade.

Desafios e perspectivas
            A região da Quebrada de Humahuaca e Iruya vem passando por inúmeros conflitos territoriais. Os povos originários descendentes dos Quechua e Aimará tiveram sua cultura totalmente subjugadas a ponto de desconhecerem a língua de seus ancestrais. Os santos e as cruzes católicas estão espalhados por todos os pequenos povoados, inclusive os que ainda se arriscam em permanecer semeando e colhendo nos poucos terraços naturais que restam.
            Este território ainda vive a pressão dos interesses ligado às mineradoras, mas a ultima nota do Tribunal Superior de Justiça da província de Jujuy pronunciou a favor das comunidades que seriam atingidas pelo empreendimento. Tal fato deveu-se a organização local, conhecida como Vecinos Autoconvocados de Tilcara, que entraram com um recurso em agosto de 2008 contra a liberação de licenças permitindo a exploração mineira a céu aberto e a utilização de substância químicas como o cianuro, mercúrio, ácido sulfúrico e outras, associadas ao processo de produção e industrialização do urânio na zona dos “amarillos” de Juella e Yacoraite, sobre os territórios das Comunidades Aborígenes de “Yacoraite” e “El Angosto de Yacoraite”.
            Mas do que isso a grande biodiversidade dos cultivos que vem sendo selecionados há anos pelos andinos, e a capacidade quase artística de praticar agricultura e postoreio no meio destas montanhas altíssimas estão se perdendo. E muitas vezes o único caminho que resta para os jovens é buscar emprego para atender os turistas que não param de chegar em em número cada vez mais crescente ou migrar para cidades maiores devido a falta de perspectiva de estudos em suas comunidades. Tudo isso devido há anos de exploração colonial e depois, a um projeto de modernização capitalista que teve como único parâmetro o crescimento econômico, mesmo que esse representa-se um enriquecimento de alguns poucos ao custo do sofrimento e trabalho quase escravo de muitos. Enquanto isso, os antigos terraços construídos durante séculos eram erodidos pela ação da chuva, resultado do abandono forçado.
              Mas do que criticar ou lutar contra o turismo na região ou acreditar na volta à um passado que já não mais existe, o que a Quebrada de Humahuaca e Iruya  precisam é buscar um caminho de desenvolvimento que valorize sua cultura ancestral e o meio ambiente. Que novos terraços possam ser construídos e que os que ainda existem possam florescer cada vez mais fortes e belos. Para que a integração da região na economia nacional não seja só através do turismo, mas sim através do maior potencial que região apresenta deste tempo imemoriais, que sem dúvida é a agricultura e o pastoreio e as tradições a estas associadas. Que o governo argentino perceba o potencial de um outro tipo de desenvolvimento e passe à investir não só no turismo, mas também no fortalecimento do campesinato, com obras de infra-estrutura e irrigação para que estes não sejam vistos como sinônimo de atraso mais sim como possibilidade de desenvolvimento com valorização cultural e territorial. Assim, quem sabe um dia os jovens possam se orgulhar de ter nascido e de viver no campo. Quiçá após o fortalecimento desta atividade na região, o turismo esteja inserido neste contexto e passe a valorizar o campesinato ao invés de ser mais uma causa do abandono das terras outrora tão bem cultivadas. 


Mùsica Popular direto de Iruya from Guilherme Tebet on Vimeo.




           
Tilcara, norte argentino, 7/01/11

1 comentario:

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