domingo, 24 de octubre de 2010

Peru, Brasil e a energia da Amazônia



 Ramiro Escobar La Cruz, de Lima Jun 29, 2010

Área em que será construída a represa de Inambari



Um acordo de longa duração (50 anos) para extrair energia na bacia amazônica, foi firmado no dia 16 de junho em Manaus, pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o peruano Alan García Pérez sem discussões suficientes. Sobretudo se for levado em conta que o que está em jogo não é somente a produção de MW (megawatts) e sim o equilíbrio de vastos ecossistemas.

O “Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Peru para o fornecimento de eletricidade ao Peru e exportação de excedentes ao Brasil”, parece viável no papel. No preâmbulo do documento o seu propósito é “avançar em uma integração energética que gere os maiores benefícios para ambos os países”. E esse benefício viria da Amazônia.

Lula e Alan Garcia

Ao longo de 15 artigos, é colocada uma série de condições. Quadro Geral, Compromissos das Partes, Cooperação Técnica, Excesso de Oferta Temporária, Situações de Emergência, Adequação de Produção, e o Desenvolvimento Sustentável. Também há Resolução de Litígios, Normas Específicas, Emendas, Duração e Denúncias.

O pacote parece completo, mas como assinala Mariano Castro, da Sociedade Peruana de Direito Ambiental (SPDA), “há grandes ausências” nesse Tratado. Tão grandes que na sexta-feira, 18, logo após a assinatura do acordo, instituições ambientalistas levantaram a voz em uma coletiva de imprensa.

As objeções ao Acordo discorrem principalmente sobre dois aspectos: a transparência sobre detalhes dos aspectos ambientais e sociais e a falta de um debate nacional. Desde que os governos peruano e brasileiro firmaram um Memorando de Entendimento em 9 de novembro de 2006, para o estabelecimento da Comissão Permanente em Matéria Energética, Geológica e de Mineração, este tema quase não tem aparecido na mídia.

Mapa mostra usinas planejadas na Amazônia peruana. Clique para ampliar

E mais: surpreendentemente recordou Castro na conferência, em 2008, o Ministério de Energia e Mineração já havia oferecido ao Brasil nada menos que 20.000 MW (Megawatts) de energia praticamente com todas as instalações, uma proposta que não prosperou justamente porque começaram a surgir protestos por parte da sociedade civil e especialmente por parte do Colégio de Engenheiros do Peru.

O Tratado recém firmado estabelece, no ponto “a” do artigo 3, que o Peru se compromete a exportar ao Brasil “no máximo 6.000 MW, mais uma tolerância de 20%”. Ainda assim, Carlos Herrera Descalzi, também ex-ministro de Energia durante o governo de Alejandro Toledo (2001-2006), afirmou existir nos níveis de decisão, “um profundo desconhecimento e um desejo de transcendência”.

Amazônia energética

A zona do Inambari

De onde viria essa quantidade de energia e por que está gerando tais ondas de controvérsia? Segundo o livro “Amazônia Peruana 2021” (cujos autores são Marc Dourojeanni, Alberto Barandiarán e Diego Dourojeanni), o Brasil selecionou 6 projetos hidrelétricos na bacia amazônica peruana, dos 52 que o Peru tem projetado para os próximos anos (sendo alguns na serra e não somente nas florestas).

Os dois principais que de certo modo já estão em andamento e em consonância com o Acordo são o Projeto Inambari, com concessão temporária até junho de 2010, Estudo de Planejamento concluído (faltando o Estudo de Impacto Ambiental) e o Projeto Paquitzapango, com concessão até agosto de 2010 e que não conta com estudos de planejamento. Ambos resultarão em riscos sociais e ambientais.

Inamabari localiza-se ao sudoeste do Peru, na região denominada Madre de Dios, relativamente despovoada e considerada uma das maiores reservas de biodiversidade do mundo. O projeto hidrelétrico a ser construído custará 4.000 milhões de dólares e produzirá 2.000 MW, porém demandará a construção de uma enorme represa que terminaria por inundar pelo menos 40.000 hectares de floresta.

César Gamboa da ONG DAR (Derecho, Ambiente e Recursos Naturales), recordou por exemplo que não se trata somente do gigantesco reservatório – que se converteria na quinta maior da América Latina – como também, de aproximadamente 300km de linhas de transmissão de energia, que desmatariam 6.000 hectares de selva amazônica.

Problema demográfico


View Inambari in a larger map
Ainda que nessa área não exista uma alta densidade populacional (se calcula que 8.000 pessoas seriam desapropriadas), no Projeto Paquitzapango poderia se criar um problema demográfico e sobretudo social de relevantes dimensões. Localizado ao centro da floresta, na bacia do rio Ene, poderia provocar inundações em terras de 18 comunidades da etnia Ashaninka, uma das principais do Peru.

Também afetariam os 33 assentamentos humanos de colonos e populações ribeirinhas, as quais já geram crescentes tensões entre a população da área. Parece pertinente a observação de Eresto Ráez, professor da Universidade Peruana Cayetano Heredia, sobre esse tema, “o conceito de energia barata apresentado por alguns funcionários públicos não é intrinsecamente bom”.

As dúvidas aumentam quando se observa os outros argumentos do ex- ministro Herrera Descalzi. O argumento que “o racional” para o Peru seria apelar primeiramente às hidrelétricas das montanhas, que causam muito menos impacto ambiental e dedicar uns anos na exploração do real potencial hidroelétrico do Peru, que não se atualiza desde a década de 70, quando uma missão alemã iniciou esse estudo mas que não o finalizou.

Qual é o problema então? Daniel Cámac, atual vice-ministro de Energia e Mineração declarou que a demanda de energia peruana está crescendo em um ritmo de 8% ao ano e que por isso, “em breve precisaremos de novas fontes de energia”. Insistiu que esse projeto é conveniente para o país porque entre outras coisas, em 30 anos as hidroelétricas construídas pelo Brasil passariam a ser peruanas, como afirma o Acordo.

O documento também assinala que a produção de energia associada às Centrais de Geração, terá como prioridades o mercado legal peruano e o mercado livre peruano e portanto o mercado brasileiro.

Contudo, apesar de mencionar três vezes o termo Desenvolvimento Sustentável, não está claro o interesse prático sobre este conceito e esta prática, nem no momento e sem maiores debates a respeito.

Mais ainda: não é claro no Peru se o Acordo irá ao Congresso, apesar de dispor no artigo 56 da sua Constituição, que os Tratados Internacionais devem passar por esse filtro. Cámac afirmou ao O Eco Amazônia que sim, se enviará. Mas o presidente García quase não tem se pronunciado sobre o assunto, mesmo que pareça claro que a energia irá para o Brasil, mas que os impactos amazônicos se darão em território peruano.

Ramiro Escobar é jornalista especializado em temais internacionais e ambientais. Atualmente é colunista do diário La República e colaborador, no Peru, das revistas Poder, Quehacer e da agência Notícias Aliadas. No exterior colabora com o diário El País da Espanha e o portal ((o))eco Amazonia do Brasil. É professor de Comunicação, Política e Jornalismo de Opinião na Universidade Peruana de Ciencias Aplicadas (UPC)

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